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Depressão pós-traição-Ballone, GJ - Depressão pós-traição, in. PsiqWeb, Psiquiatria Geral, disponível na Internet em http://www.psiqweb.med.br/, 2011

A traição conjugal tem sido uma das vivências mais importantes para a reação depressiva.
| Mulher | Sexualidade | Família |



Entre as vivencias capazes de desencadear reações depressivas o conhecimento da traição é uma das mais fortes. Geralmente a pessoa traída ou deixada pela outra se mobiliza fortemente pela frustração da perda, pela constatação da mentira, pela deslealdade e, não menos, pelo vexame e constrangimento social e familiar. 

O sentimento mais imediato que a infidelidade provoca, no entanto, é uma mistura de mágoa, contrariedade, ira, arrependimento, ânsia de vingança ou revanche. Em geral, nessa fase de enorme frustração os sentimentos não são bem definidos, alternando-se de um para outro, da mágoa para a raiva, do arrependimento para a vingança, da sensação de impotência para o desespero da reconquista. “Fiquei sem chão...”, “... meu mundo acabou”, são as expressões mais ouvidas nessas circunstâncias. 

A descoberta da infidelidade pode ser uma das mais sofríveis e devastadoras vivências. A constatação da deslealdade no relacionamento causa um sofrimento proporcional à solidez da convicção prévia de que a posse da pessoa era garantida. Nessas situações, mais importante que a idéia do contacto físico da pessoa infiel com a outra é o sentimento de decepção. Isso pode produzir um desencanto muitas vezes definitivo. Pode até existir uma espécie de perdão... mas a desilusão, desapontamento e decepção ficam. 

Depois do estressante choque inicial a pessoa deverá passar para a fase de adaptação. Essa fase, embora seja diferentemente vivenciada de pessoa a pessoa, costuma ser bastante demorada. Do estresse inicial a pessoa passa a apresentar um quadro francamente depressivo. Trata-se de uma reação depressiva, diferente dos casos de depressão maior, de natureza biológica e constitucional. 

No caso da depressão pós-traição a origem da depressão é vivencial, portanto, uma Reação Depressiva. A sintomatologia é geralmente típica, como desinteresse, desânimo, perda de prazer com as coisas, apatia, tristeza, irritabilidade. Pode haver alteração do sono, do apetite e do peso. 

A base da infidelidade é essencialmente multifatorial, mas um dos fatores muito comum é o entorpecimento do relacionamento, comumente referido como “desgaste da relação”. Sem dúvida, a disponibilidade plena, a constância e a acomodação são os determinantes importantes do entorpecimento da relação. Junto com isso, a crença de que a outra pessoa “deve” suportar as adversidades geradas pelo sentimento da posse é um dos determinantes finais. 

Mais uma grande responsável pela avassaladora decepção da pessoa traída é outra crença irremovível e natural no ser humano; a reciprocidade automática. As pessoas costumam fazer para as outras aquilo que desejam para si mesmas, como uma espécie de barganha obrigatória. A certeza de reciprocidade é tão forte que acaba turvando a razão para outras possibilidades, como por exemplo, os sentimentos íntimos da outra pessoa, sua satisfação sobre o relacionamento, suas necessidades básicas de afeição... 

De fato a fórmula para um bom relacionamento não é uma receita mágica, nem nova e nem misteriosa. Ela é muitíssimo conhecida e universalmente propalada aos quatro cantos: o amor é uma construção diária e precisa de cuidados constantes. Caso falte tal zelo, com o tempo a atração e os sentimentos podem ser cobertos pelo pó do dia-a-dia, tirando o brilho de todo relacionamento. 

Assim, muitas vezes a vontade de viver ou reviver o sentimento eloqüente do amor, juntamente com o propósito de resgatar uma sexualidade prazerosa e esmaecida no cotidiano, acabam empurrando a busca de tais necessidades em outra pessoa. O termo “necessidade” usado aqui é absolutamente preciso nesse contexto, e não são apenas essas duas carências, do amor e da sexualidade. 

Existem outras necessidades mais pessoais ou mesmo universais para a manutenção de um relacionamento sadio. Sentir-se uma pessoa admirada, gostada, desejada, atraente e interessante são estímulos que falam muito alto. A terceira outra pessoa pode ter muitas chances de conquistar se agir assim. 

Um dos grandes riscos de perder a relação é quando a pessoa nutre sentimentos de ser ssempre e plenamente suficiente ao outro, quando aposta que seus defeitos não são significativos ou, pior, que eles devem ser afetuosamente suportados pelo outro em nome do amor. Essas pessoas, quando traídas ou deixadas, promovem uma verdadeira revolução em suas vidas e na maneira de ser, provando assim que a falta ou a insignificância dos defeitos era uma fraude. Talvez, se tivessem procedido as correções dos defeitos “que não tinham” antes da separação esta nem teria ocorrido. 

O desgaste 

A frustração, que é o sentimento causado por um desejo não plenamente satisfeito, é que motiva a Reação Depressiva. Essa dinâmica frustração-depressão não é exclusiva dos casos de traição, evidentemente, e atualmente é a justificativa mais aceita para a crescente incidência de quadros depressivos. Seres humanos estão cada vez mais frustrados. 
Pode haver também uma relação entre o cotidiano social atribulado e o desgaste das relações interpessoais conjugais. De fato o cotidiano é, sobretudo, ávido por nosso ser. Ele, o cotidiano, se apossa da pessoa submetendo-a à tirania de “ter que”; ter que ir ao banco, ter que comprar isso e aquilo, ter que responder e-mails, cumprir compromissos, enfim, sempre se tem que fazer alguma coisa que acaba distanciando uma pessoa da outra. Por sinal, devido a disponibilidade total da outra pessoa, acredita-se erradamente que ela pode esperar quando não se tem mais nada que fazer. 
Neste panorama, é claro que se o casal não estiver atento a infindável sucessão de “ter que” o cotidiano sugará toda energia necessária ao bom relacionamento. A crueldade do cotidiano entorpece a pessoa impedindo-a de perceber a outra como alguém que tem sentimentos, desejos, necessidades, sonhos, sensibilidades. 
 Traição 2
 Mas a situação entediante proporcionada pelo passar (mal) do tempo continua porque existe a crença na vigência de um contrato cultural garantindo que um, de fato, pertence ao outro. Nessa fase as conversas vão minguando e se limitam aos desagradabilíssimos problemas domésticos.

As preocupações e temas das conversas giram quase exclusivamente em torno do trabalho, da casa, empregada, filhos, problemas financeiros e de saúde, dos parentes. Tudo isso parece não existir em relação à terceira pessoa do fatídico triângulo. 
No desgaste da relação muitas coisas verdadeiramente interessantes não são ditas, as frustrações se transformam em cobranças, em irritação, em desaforos dissimulados e o silêncio é capaz de machucar. O relacionamento passa a ser aquela mesmice morna, e mesmo que seja politicamente educado ele será sentimentalmente gelado. 
Essa chatice do cotidiano de forma alguma é obrigatória, inexorável. Ela aparece quando o dia-a-dia é mal gerenciado, quando as pessoas se acomodam, se acovardam, amarelam, e piora muito quando há desencantamento, desinteresse. Sem dúvida aqui se aplica o que a psiquiatria recomenda para a existência saudável: a pessoa deve estar sempre inconformada e sempre adaptada. Isso significa que por não estar conformada ela estará planejando algo para seu amanhã ser melhor que o hoje. O fato de estar adaptada faz com que ela não adoeça por causa do inconformismo. 
Assim sendo, a pessoa não deve se conformar com as crises de mau humor, com as irritações, grosserias, desleixos, descasos, negligências. Caso a pessoa se conforme e desanime estará colaborando para o preparo do fértil terreno da infidelidade. 
A traição 
A traição pode ser conseqüência de tudo o que foi dito antes. De nada adianta a pessoa ficar espantada, surpresa, abismada com a traição, embora ocorra isso tudo fisiologica e inevitavelmente. A infidelidade aparece naturalmente como conseqüência da perpetuação do erro e da desesperança. 
Para as pessoas que sempre citam comparações esdrúxulas dizendo que apenas o ser humano trai e não os animais, é bom saber que, de fato, trair é uma condição humana por excelência. Evitar isso implica na pessoa procurar entender o mais rápido possível que está tendo um relacionamento com “uma pessoa humana”, portanto, com alguém capaz de sentir, aspirar, desejar, se magoar e se comportar, inclusive capaz de trair, como qualquer humano. 
De qualquer forma é bom saber que a traição está longe de ser uma fraqueza. Nem tampouco é um ato de coragem. Antes disso, é uma conseqüência, uma atitude fortuita e muitas vezes desesperada de sentir a vida, principalmente quando esta parece estar se esvaindo pelos vãos dos dedos e não é mais encontrada junto da pessoa amada. 
Em geral a traição reflete um verdadeiro descompasso afetivo entre o casal. Além dos desgastes cotidianos do relacionamento, vistos acima, o descompasso surge também quando um dos dois dirige quase toda a sua energia para alguma coisa externa ao relacionamento, proporcionando ao outro o sentimento de estar sendo deixado de lado. Isso é comum no homem que se envolve demais com o trabalho ou na mulher com preferência exclusiva aos filhos. Por outro lado, se os dois têm interesses na mesma direção e na mesma intensidade, além de minimizar as possibilidades de problemas, pode até solidificar mais a relação. 
Autoestima baixa... o estopim
A autoestima é o reflexo da valoração afetiva que a pessoa faz de si mesma. Isso quer dizer que as oscilações do afeto, para mais ou para menos, acabam fazendo a pessoa se sentir muito bem ou muito mal consigo mesma. Às vezes o relacionamento não proporciona boa autoestima e, ao contrário, pode até contribuir para a piora da mesma. Motivações subterrâneas podem proporcionar atitudes pejorativas dissimuladas ou falsamente amistosas, enfim, o resultado final desse comportamento depreciativo é baixar a autoestima. 
O ego da pessoa com baixa autoestima pode ter necessidades do se afirmar “sobre o outro" ou, igualmente ruim, pode estimular a pessoa a testar sua capacidade de sedução sobre outras pessoas. Surge uma necessidade em se convencer ser desejável. O comportamento para testar tais necessidades favorece a vulnerabilidade à traição. 
Enfim, todas essas questões da intimidade emocional podem estimular a aspiração de arranjar uma outra pessoa capaz de atender todos os anseios, carências e necessidades. A opção de estar disponível para outra pessoa pode nascer, crescer e assumir proporções perigosas quando existe um desagradável sentimento de desvantagem existencial, quando a pessoa experimenta a carência de se sentir admirada e a carência de motivos para admirar, quando se sente preterida, deixada de lado, excessivamente criticada e reprimida. 
A necessidade de viver novos relacionamentos é forte quando a relação atual não preenche as necessidades. Por conta da relação direta entre autoestima baixa e vulnerabilidade à traição, um dos focos do tratamento é no sentido de melhorar o estado afetivo. A abordagem terapêutica de pacientes que procuram ajuda por viverem grandes conflitos intrapsíquicos sobre a traição visa melhorar a autoestima. 
Os melhores resultados são obtidos com a associação da farmacoterapia, a base de antidepressivos, com a psicoterapia, notadamente de natureza comportamental cognitiva. De certa forma, a mesma abordagem terapêutica deve sesr dispensada à pessoa que pensa em trair, que traiu ou que foi traída, pois, em todas elas a autoestima pode estar absurdamente baixa. 
Perfil das vítimas
Uma conclusão interessante que se pode chegar durante a terapia de algumas pessoas envolvidas pela traição é que quem traiu pode ser tão vítima quanto quem foi traído. Talvez, se a pessoa que traiu fosse atendida em suas necessidades afetivas básicas, nada teria acontecido. 
Não há regras gerais nem generalizações, pois cada caso é um caso. Em geral poucas pessoas se consideram simplesmente traidores. A maioria reclama das faltas no relacionamento que levaram à busca de outras formas de satisfação. Verdade ou não, e isso nem é tão importante, as relações duradouras acabam proporcionando cobranças de um lado e apatia do outro. 
O cansaço crônico de algumas convivências duradouras e negligenciadas favorece a idéia de que uma relação nova possa restabelecer a alegria para a vida, uma autoestima mais sadia e o resgate do prazer. A pessoa insatisfeita que procura situações mais agradáveis se depara algumas vezes com a sensação de culpa, embora seja capaz de detectar as necessidades internas que a levaram ao comportamento fugidio da relação. A pessoa insatisfeita sabe o que está buscando e o que quer preencher e, muitas vezes, a outra pessoa também sabe disso, embora faça de conta que não sabe. 
Se as condições que criam e mantém a frustração do relacionamento continuam pode, de fato, acontecer a infidelidade. Assim, as pessoas infiéis arriscam sem saber o que virá pela frente e muitas vezes agem por impulso, não considerando os abalos que essa infidelidade pode provocar no relacionamento e na vida do outro. Algumas vezes a traição é um acontecimento automático que simplesmente vai acontecendo ao sabor do tempo. Outras vezes é uma atitude racionalmente considerada e cujas conseqüências foram consideradas preferíveis. Outras vezes ainda, trata-se de um entorpecimento afetivo que distancia pessoas da realidade, impulsionando-a por certa euforia de ter a possibilidade de mudança de vida. 
Geralmente é muito difícil acreditar em quem diz que “não sabia, não percebia nada” e que a traição foi, de fato, totalmente uma surpresa. A postura de inocência e de não percepção do que estava acontecendo não isenta o traído de participação no evento, muito pelo contrário. Esse "eu não sabia de nada" pode representar total falta de cuidado para com o relacionamento, falta de interesse e atenção com o que se passa entre duas pessoas que dizem se amar. 
Talvez a pessoa traída estivesse tão inebriada por crenças sobre a natureza pétrea de seu relacionamento que não seria capaz de ver o que se passava em sua volta. Com incômoda freqüência vemos o traído como um homem voltado para o trabalho, para o dinheiro ou para seu papel social e, no caso da mulher, uma pessoa concentrada em sua vida pessoal, doméstica e dos filhos. Homens e mulheres deixados, seja por traição ou não, demoram a se adaptar ao ocorrido e geralmente não se conformam nunca mais, embora reconheçam, depois de algum tempo, terem perdoado. Essas pessoas costumam ficar revendo sistematicamente o passado em busca de onde foi que erraram, do que poderia ter sido feito e não foi. 
Algumas pessoas, como foi dito, se dizem perplexas por terem sido pegas de surpresa, acreditando que estava tudo muito bem, que não havia motivos para a separação ou traição, que não mereciam essa situação, entretanto, quando desejam uma reaproximação ou reconquista, quase sempre prometem as mesmas mudanças que antes teriam sido bastante necessárias... Ora, se sabem o que é necessário mudar para reconquistarem a pessoa amada, é porque sabem que isso tudo poderia ter sido mudado antes. Em outras palavras, prometer mudanças significa que as coisas não estavam tão bem assim e que não houve um acontecimento totalmente inesperado. 
O universo psíquico humano sempre recorreu ao auto-engano para alívio dos grandes conflitos e complexos. Nessas situações de separação também se recorre ao auto-engano, na maioria das vezes inconscientemente. Deve ser enfatizado, mais uma vez, que as pessoas deixadas e que se sentem “perplexas por terem sido pegas de surpresa”, na realidade talvez não tenham observado bem os indícios do que estava para acontecer, tal como uma espécie de negação de fatos que não se quer ver. 
Parece que a falsa convicção de um relacionamento que se manteria para todo o sempre entorpece a sensibilidade para com o outro. Sexualmente considera-se que, em geral, a mulher tem atração pelo homem que ama e este, por sua vez, ama a mulher que nele desperta atração. Por isso, em geral, os homens temem que sua mulher faça sexo com outro homem e as mulheres temem o envolvimento afetivo, ou seja, que seu homem se apaixone por outra. 
Nos casos onde a pessoa traída tem fortes traços obsessivos, ou seja, tem tendência à preocupações excessivas, ruminação ansiosa de idéias, vocação ao perfeccionismo, tendência ao planejamento obsessivo de tudo na vida, logo, dificuldade em lidar com o plano B, que é motivada por competitividade acentuada... nesses casos a traição pode desenvolver um indelével e perene sentimento de mágoa e vingança. 
O mito do relacionamento indissolúvel 
Ao se juntar pelo amor o casal estabelece, silenciosa e inconscientemente, uma espécie de pacto ou trato que será a base para o futuro da vida a dois. Geralmente esse trato inconsciente é o resultado de uma negociação prévia e silenciosa desde os tempos de namoro, a qual vai se cristalizando na medida em que as situações vão surgindo. Assim, o namoro é a oportunidade para os parceiros expressarem as cláusulas desse trato; suas expectativas, seus limites, seus valores, para estabelecerem o que esperam do outro e o que não toleram dele. 
Algumas vezes existem devaneios neste pacto, como por exemplo, o famoso "até que a morte os separe". Faltou acrescentar o termo igualmente fantasiado, "incondicionalmente". Aí sim o devaneio fica quase um delírio: "até que a morte os separe, incondicionalmente".  Ora, exceto as mães em relação aos seus filhos, os seres humanos não aceitam absolutamente nada que tenha caráter incondicional. 
 O pacto silencioso e tirano forjado durante o namoro pode ser uma coisa interessante, entretanto, nem sempre esse trato é compreendido por ambas as partes da mesma maneira. Cada um considera justo esperar do outro atitudes em seu favor, como se a pessoa fosse obrigada a saber exatamente o que se deseja dela. Isso leva, na maioria das vezes, a uma grande decepção, pois ninguém pode viver para atender expectativas de outra pessoa.
 Traição 3

É assim que, com honestidade, a pessoa deveria trazer para si a culpa por suas próprias expectativas em relação ao outro. Não se sabe como nem porquê um ser humano enamorado começa a imaginar que o outro deva adivinhar exatamente o que é importante para ele. Não se sabe como nem porquê esse mesmo ser humano constrói sua expectativa de felicidade exclusivamente dependente da pessoa com quem escolheu compartilhar a vida. 
Geralmente a pessoa traída atribui a responsabilidade da traição ao traidor, obviamente, enquanto o traidor quase sempre atribui a responsabilidade pelo seu ato ao seu par, que vinha negligenciando o relacionamento há tempos. 
Algumas vezes o ato da pessoa que trai dividir a responsabilidade da traição com a pessoa traída é uma espécie de projeção da responsabilidade. Melhor dizendo, isso não deixa de ser uma espécie de autoengano. É o mesmo autoengano a que todos estamos sujeitos, inconsciente ou hipocritamente, que é buscar fora de nós as responsabilidades que deveriam ser nossas, em outras palavras, é atribuir aos outros as responsabilidades que são nossas. 
A desagradável sensação de ter sido vítima da ousadia da outra pessoa, seja na traição ou separação, sempre convoca reflexões. Assim como o relacionamento se inicia invariavelmente com a participação e responsabilidade de duas pessoas, também a separação terá a participação invariável dessas mesmas duas pessoas. 
Abordagem e tratamento
A idéia da co-participação do casal, ou da co-responsabilidade na qualidade do relacionamento é uma idéia interessante e deve ser melhor explorada nas terapias que fazem parte do tratamento dessa Reação Depressiva à traição. Assim, a infidelidade deve ser abordada obrigatoriamente como um problema do casal e não apenas daquele que traiu ou apenas de quem sofreu a traição. 
Se o casal procura ajuda porque está passando por um período turbulento, ou seja, antes da infidelidade propriamente dita acontecer, a atenção deve ser dirigida para a quase certa quebra do pacto que existia entre o casal. Essa quebra do contrato pode dever-se a uma ou ambas pessoas. Nesses casos uma pessoa ou as duas sentiram suas expectativas frustradas, sentiram-se traídas no projeto amoroso, independente da traição literal já ter acontecido ou não. 
Não se pretende tratar a traição ou a separação, obviamente, pois nada disso é doença. A psiquiatria e a psicologia são convocadas a tratar as conseqüências emocionais desses episódios na vida do casal. Algumas vezes, dependendo da intensidade do quadro depressivo decorrente dessa vivencia traumática, será necessário o uso de antidepressivos, porém, sempre em conjunto com a psicoterapia. 
O fato da depressão ser de origem externa, nesses casos chamada de Depressão Reativa, não isenta o uso de antidepressivos, pois o sofrimento e a gravidade são tão significativos quanto da chamada Depressão Maior, de origem biológica. Enquanto a medicação antidepressiva melhora o ajustamento afetivo à vivência causadora, diminuindo assim a reação vivencial depressiva, o tratamento psicoterápico deve discutir a situação atual e as perspectivas futuras. 
Aos casais que optam continuar o relacionamento a superação da traição é a meta da terapia. O foco não deve se restringir apenas ao perdão, uma vez que nem sempre a maior parcela da culpa é de quem traiu. Superar a vivência significa ir além do perdão, significa virar a página, e definitivamente. As lições decorrentes dessa vivência traumática devem permanecer e cristalizar ainda mais o relacionamento. 
Algumas pessoas insistem em dizer não terem feito absolutamente nada que justificasse a traição ou separação da qual foram vítimas. Porém, deve fazer parte do ficcioso “manual de abordagem terapêutica para traídos e traidores” que nem sempre apenas as más atitudes resultam em desarmonias e descontentamentos conjugais. As não-atitudes, a não-participação, a apatia, descaso, desinteresse e até o silêncio também são formas de agressão. 
As pessoas podem ser sempre melhores para seus pares, diminuindo assim as chances de perda do encantamento, ou seja, do relacionamento. E tanto as pessoas podem ser melhores que aquelas deixadas produzem grandes transformações em suas vidas depois do fim da relação: perdem o peso excessivo, deixam de fumar, entram em academias, fazem lipoaspiração, lifting, clareamento dos dentes, mudança de hábitos, procuram tratar o ronco noturno, o mau humor. Embora tudo isso faça parte do aresenal usado para melhorar a autoestima da pessoa que se sente deixada ou traída, mostra também que tudo isso poderia ter sido feito antes e ter melhorado o relacionamento agonizante. 



Ballone, GJ - Depressão pós-traição, in. PsiqWeb, Psiquiatria Geral, disponível na Internet em http://www.psiqweb.med.br/, 2011


A relação conjugal diante da infidelidade: a perspectiva do homem infiel

The marital relationship the face of infidelity: from the perspective of unfaithful men
PePSIC - Portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia


Crístofer Batista da Costa1, I; Cláudia Mara Bosetto Cenci2, I
I Mestrando em Psicologia Clínica (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS/RS)
Endereço para correspondência



RESUMO
A infidelidade está presente em parte significativa dos relacionamentos amorosos e sempre causa algum impacto aos envolvidos. É considerada responsabilidade do traidor e o fim do relacionamento pelo seu caráter negativo e transgressor. Por isso, o objetivo desta investigação é compreender a percepção e os sentimentos que homens infiéis têm de sua relação oficial e as motivações para a traição. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com delineamento descritivo. Participaram do estudo cinco homens heterossexuais que estiveram em união estável e foram infiéis durante este relacionamento. Utilizou-se uma entrevista semiestruturada para coletar os dados que foram submetidos posteriormente ao método de análise de conteúdo. Os resultados apontam que a infidelidade envolve questões individuais, como personalidade, crenças e transgeracionalidade e, conjugais, como os padrões de interação. Ela não encerra aquilo de que é porta-voz na relação, pois sua complexidade exige uma revisão do passado e do presente conjugal.
Palavras-chave: Infidelidade, Casamento, Relações conjugais, Dinâmica de casal.

ABSTRACT
Infidelity is present in significant part of love relationships, and it always causes some sort of impact on the people involved. The person who cheats is considered responsible for the end of the relationship, because of the negative and transgressor feature of the act. Therefore, the objective of this investigation is to comprehend unfaithful men’s perceptions and feelings concerning their official relationships, and possible motivations for cheating. It is a qualitative research with a descriptive study design. The participants were five heterosexual men who had stable relationships during which they had been unfaithful. Data collection used a semi-structured interview, posteriorly submitted to content analysis method. Results indicate that infidelity involves individual issues, such as personality, beliefs, and transgenerationality, as well as conjugal issues, such as interaction patterns. Infidelity does not put an end to what it unravels from the relationship, since its complexity demands a review of the conjugal past and present.
Keywords: Infidelity, Marriage, Marital relationships, Couple dynamics.



Introdução
A percepção de que as relações amorosas são líquidas, efêmeras, com validade preestabelecida, entre outras conotações que indicam sua brevidade e finitude, tornaram-se comuns (Falcke, Diehl & Wagner, 2002; Wagner & Mosmann, 2011). Nesse sentido, algumas pesquisas (Carpenedo & Koller, 2004; Duarte & Rocha-Coutinho, 2011; Féres-Carneiro, Ziviani & Magalhães, 2011; Ribeiro, 2010; Zordan & Strey, 2011; Zordan, Wagner, & Mosmann, 2012) apontam os impactos das transformações sociais e culturais, com ênfase na vigência do comportamento individualista, das mudanças no papel da mulher, entre outros fatores que contribuem para o enfraquecimento dos laços que mantém os parceiros unidos. Por outro lado, Féres-Carneiro (2003) afirma que as dissoluções conjugais não significam uma desvalorização do casamento. O fim da relação marital reflete também o nível de exigência dos cônjuges, esperando que ela cumpra com um papel importante em suas vidas e, consequentemente, proporcione satisfação.

De acordo com o panorama que os autores anteriormente citados apresentam acerca da conjugalidade, é possível compreender que qualquer relação amorosa exigirá, por si só, maturidade e investimento constante dos parceiros. Então, o que acontece quando em uma relação existe o agravante da infidelidade de um ou ambos os cônjuges? Será a frustração, diante das limitações da relação, motivo para que os parceiros não consigam permanecer em um relacionamento exclusivo? Segundo Mendonça (2009), a infidelidade ocorre dentro de muitos relacionamentos sem causar espanto para os envolvidos, devido aos indicativos de que o casamento já apresentava problemas. Para a autora, o modelo sistêmico percebe a infidelidade como um sintoma da relação conjugal e norma da cultura ocidental vigente machista, corroborando Goldenberg (2011) em sua compreensão de que a infidelidade não significa uma falha individual.

Quanto ao aspecto cultural, nota-se que normas bastante arraigadas socialmente fazem com que as pessoas construam para si mesmas uma constante insatisfação e carência por não conseguirem conciliar amor e sexo e, logo, sentem-se impossibilitadas de ter a verdadeira entrega com a vivência amorosa da intimidade e da cumplicidade (Gomes, 2009). Essa dissociação entre o sentimento e o desejo sexual estará associada a esses preceitos sociais, culminando por vezes na busca de sexo com outra pessoa que não o cônjuge? A esse respeito, Mendonça (2009) refere que uma compreensão antropológica da infidelidade mostra que o homem em união estável dissocia a mulher do lar, mãe de seus filhos, da mulher para fins do prazer sexual.

A infidelidade emerge como o principal motivo da dissolução conjugal (Zordan & Strey, 2011) e está entre os principais problemas enfrentados pelos casais na atualidade, principalmente, pelo número expressivo de pessoas que declaram ter sido infiéis em algum momento do seu relacionamento (Almeida, 2012; Goldenberg, 2006). Além disso, as pessoas julgam a infidelidade um comportamento negativo, considerando-a prejudicial aos relacionamentos conjugais (Viegas & Moreira, 2013). Essa percepção pode estar relacionada à concepção que se dá para o ato de trair e aos significados sociais que a infidelidade possui e que provocam sofrimento, principalmente, à pessoa traída.

A literatura aponta conceitos de infidelidade que variam, mas são homogêneos quanto à violação do contrato conjugal. A traição pode ser o envolvimento sexual ou emocional com uma pessoa, que não o parceiro oficial, sem que este saiba e consinta acerca do ocorrido (Glass, 2002), a “quebra da confiança e rompimento do acordo conjugal sobre a exclusividade sexual no relacionamento monogâmico” (Zampieri, 2004, p. 155), o rompimento de um contrato afetivo implícito ou explícito entre os parceiros, durante o casamento ou o namoro (Leal, 2005) e, ainda, o descumprimento de um acordo conjugal, que estava sustentado no amor, na estima e no respeito mútuo entre os parceiros conjugais (Pittman, 1994). Existe também a menção a dois principais tipos de infidelidade: a sexual, que acontece através do contato sexual expresso pelo beijo, toque íntimo, sexo oral ou quando se mantém qualquer carícia sexual, e a infidelidade emocional, que pressupõe a existência de uma conexão que se inicia através do flerte, de uma aproximação mais íntima, da troca de confidências e que evolui para um processo de apaixonamento por aquele ou aquela que poderá ser um amante (Ahrndt, 2005).

Ademais, a infidelidade é considerada um ato contra o casamento. Diante de uma traição se rompem os acordos conjugais, específicos para cada casal, variáveis segundo questões como cultura e condição social e que simbolizam alianças formadas para efetivar gradativamente o equilíbrio do casamento. É avaliada como um comportamento atípico, sinaliza problemas, é perigosa, pode destruir relacionamentos e, comumente, alimenta-se de segredos que serão ameaçados pela sua exposição (Pittman, 1994).

Por outro lado, o comportamento infiel representa um equívoco que poderá ser ressignificado a fim de que os parceiros permaneçam na relação (Pasini, 2010). Quando um casal se depara com um caso extraconjugal deverá ter consciência que conviver com a indecisão sobre permanecer ou não na relação provocará ainda mais sofrimento, e de que existirão duas possibilidades: separar-se ou perdoar. Se a segunda opção for escolhida será preciso ser tolerante ao tempo que a pessoa traída necessitará para superar a infidelidade. E, se o esforço conjugal para resgatar a relação for maior que a crise, haverá oportunidade para redefinir o contrato conjugal e estabelecer uma relação satisfatória com felicidade e intimidade (Almeida, 2007). No entanto, Rogozinski, Motta e Lobo (2010) salientam que um caso extraconjugal gera sentimentos de raiva, abandono e vitimização àquele que foi traído. Segundo os autores, nas situações de infidelidade, o nível de agressividade entre o casal é muito alto, a comunicação entre eles fica prejudicada e há um desequilíbrio no comportamento dos mesmos, que desafia até mesmo os profissionais mais experientes.

De acordo com Goldenberg (2011), é mais comum encontrar pessoas que já tiveram uma relação extraconjugal que pessoas fiéis e que, apesar da incidência de casos de infidelidade, tal fenômeno é considerado um problema grave e incabível até mesmo para aqueles que traem. Homens e mulheres têm sido significativamente infiéis, no entanto, mesmo que pareça paradoxal, a fidelidade prevalece como valor importantíssimo para todas as pessoas e, talvez isso ocorra exatamente por ela ser menos frequente e mais difícil de manter.

Nesse sentido, uma pesquisa realizada em 2005 na cidade de Salvador investigou a infidelidade sob a ótica de cinco psicoterapeutas de casal femininas sistêmicas com mais de quinze anos de experiência clínica. Os resultados apontam que a infidelidade se origina principalmente pelo vazio emocional sentido dentro do relacionamento oficial. Pode ser uma forma de os parceiros fugirem do estresse e de situações conjugais desagradáveis e não para buscar novas aventuras sexuais ou por desvios biológicos de ser monogâmico. O estudo aponta, ainda, que o cultivo de uma relação em que existe tolerância e flexibilidade, ao contrário da dependência emocional que causa insegurança e necessidade de investimento excessivo de um dos parceiros, são fatores protetores para uma relação permeada pela fidelidade. Esta última ocorrerá, essencialmente, quando a satisfação que os cônjuges sentem em alguma área do relacionamento, sexual, afetiva ou pessoal, supera o desejo de se aventurar intimamente fora do casamento (Leal, 2005).

No entanto, compreender os motivos que levaram um membro da relação a trair é uma empreitada complexa. Há contextos em que se analisa a responsabilidade que ambos os cônjuges possuem sobre o acontecimento, considerando que contribuem conjuntamente para a satisfação ou a insatisfação conjugal e a qualidade do relacionamento (Braz, Dessen & Silva, 2005). Além disso, a compreensão dos cônjuges sobre a relação se pauta, geralmente, nas influências familiares e sociais que tiveram na vida e que perpassam pelas questões religiosas e culturais de um povo (Prado, 2009; Viegas & Moreira, 2013). Por isso, é necessário que a infidelidade seja contextualizada à cultura de determinado grupo social e às experiências familiares de cada indivíduo para que a análise do fenômeno esteja congruente ao que se viveu naquele ambiente social e, como aponta Bucher-Maluschke (2008), à história e às memórias que aqueles indivíduos reproduzem como missão para manter vivos os conteúdos de determinado grupo familiar.

Percebe-se, também, que há diferenças na percepção que homens e mulheres têm da infidelidade. Para o sexo feminino o homem infiel é taxado sempre negativamente, diferente da percepção masculina sobre a mulher que trai (Tokumaru, et al. 2010). Tais diferenças, são apontadas também em uma investigação etnográfica que durou quatro meses e foi realizada através de entrevistas e observação participante em um clube de shows para mulheres no Rio de Janeiro. Os resultados revelaram que a mulher infiel omite ou justifica a traição devido ao sofrimento e as represálias das quais será alvo, enquanto o homem, mesmo na posição de infiel, é percebido socialmente de forma diferente. Além disso, os valores sociais rumam para situações cada vez mais complexas. Ao passo que a fidelidade ainda é supervalorizada entre todas as pessoas, almeja-se ter uma vida moderna, com independência, privacidade e novidades. De modo geral, a infidelidade ainda predomina entre os homens, talvez porque preceitos normativos tornam o fato mais aceitável entre o público masculino, já que a mulher é vista como fonte de prazer e o homem de dominação (Arent, 2009).

Uma pesquisa com 45 casais heterossexuais realizada em 2012 na cidade de São Paulo objetivou verificar se há relação entre o ciúme e a infidelidade, considerados os fenômenos mais conflituosos para o casamento. Os resultados apontam que a infidelidade de um dos parceiros está relacionada à infidelidade do outro, indicando um funcionamento muito semelhante entre os cônjuges e que, algumas vezes, a traição cometida por um pode ser explícita ou estar latente para o outro. Além disso, identificou-se uma relação direta entre o ciúme e a infidelidade, sendo o primeiro, positivo à relação quando em quantidade adequada e prejudicial quando em excesso, configurando uma profecia autorrealizadora da infidelidade. Por fim, percebe-se que para as participantes mulheres a infidelidade está associada à insatisfação com o parceiro e à busca por experiências emocionais, enquanto para os homens trata-se mais da saciação sexual (Almeida, 2012). A esse respeito, outros autores indicam que percepções que antes eram culturalmente associadas apenas a um dos sexos, atualmente transitam reciprocamente entre homens e mulheres (Gonçalves, 2010, Viegas & Moreira, 2013).

A infidelidade acontece cada vez com mais frequência (Pasini, 2010) acarreta polêmicas e desmorona o ideal de casamento perfeito, pois provoca tristeza, desapontamento e baixa autoestima aos envolvidos (Horta & Daspett, 2010). Além disso, pode ser um indicativo de que o sentimento que uniu os parceiros inicialmente não perdurou ao longo do tempo (Mendonça, 2009), ou se desgastou a ponto de a insatisfação conjugal prevalecer sobre o prazer de estar junto (Souza, Santos & Almeida, 2009). Por outro lado, a infidelidade nem sempre será negativa e indicará a ruptura do relacionamento (Pittman, 1994), servindo como um momento de crescimento e uma oportunidade criativa, mesmo com toda gama de sofrimento e de mudanças que provoca na vida dos parceiros (Pasini, 2010).

De acordo com Sattler (2010) um caso extraconjugal causa muita dor em ambos os cônjuges, o traído e o autor da traição. Porém, o manejo da situação exigirá do profissional de psicologia acolhimento, conhecimento acerca do contexto de infidelidade e uma avaliação sem moralismos ou preconceitos. Nesse sentido, será possível tratar a infidelidade e, se for o desejo dos atendidos, trabalhar na perspectiva de se continuar a relação. Prado (2009) corrobora essa perspectiva referindo que a infidelidade proporciona estabilidade para os casamentos, pois os relacionamentos extraconjugais evitam, muitas vezes, o divórcio. Podem funcionar como um fator de equilíbrio homeostático para os sistemas conjugais e/ou desencadear uma crise que oferecerá oportunidade para a mudança e o crescimento dos cônjuges.

Nesta perspectiva, o resultado de um estudo realizado na cidade de Belo Horizonte em 2010 com 864 pessoas heterossexuais, revelou que 51% dos homens e 27% das mulheres já foram infiéis ao cônjuge em algum momento e que o principal motivo apontado para o ato foi insatisfação com o relacionamento (Gonçalves, 2010). Apesar de o estudo apresentar apenas porcentagens gerais, é importante considerar que os resultados corroboram outras pesquisas (Arent, 2009; Goldenberg, 2006; Goldenberg, 2011; Neuman, 2010) que apontam a predominância da infidelidade entre os homens e a insatisfação conjugal como principal fator que leva à traição. Por outro lado, os dados podem sugerir questões de desejabilidade social através das quais se aceita melhor a infidelidade masculina e que homens historicamente traem mais que as mulheres, inclusive para provar sua virilidade entre o grupo de iguais.

Uma pesquisa norte-americana com duzentos homens heterossexuais confirma os resultados do estudo de Gonçalves (2010) quanto à infidelidade estar relacionada à insatisfação no casamento. A investigação analisou os principais fatores ligados com indicaram que 88% dos maridos acreditam que a infidelidade acontece devido a alguma insatisfação significativa no relacionamento conjugal. Além disso, o principal motivo para que ocorra uma relação extraconjugal, referido por 48% dos homens, é a insatisfação emocional com o casamento, sendo que 54% dessa insatisfação é representada por falta de reconhecimento, atenção, proximidade e cuidado por parte das esposas. A pesquisa apontou também que todos os maridos infiéis referiram amar suas esposas, arrepender-se de ter traído e não desejar repetir a infidelidade (Neuman, 2010).

Em outra perspectiva, Musleh (2010) refere que o surgimento de um terceiro membro na relação vivida até então a dois, configura a recontratação dos limites da relação conjugal, mudando a estrutura familiar tradicional e que, apesar das crises e conflitos, o desfecho pode ser a efetivação de um triângulo amoroso para suprir necessidades das três pessoas envolvidas. Além disso, Goldenberg (2011) declara que, conforme as pessoas envelhecem, aumenta o número de mulheres sozinhas, enquanto uma quantidade menor de homens, quase sempre casados, divide-se entre aquelas que buscam um marido.

Finalmente, percebe-se que autores (Almeida, 2007; Mendonça, 2009) e resultados de pesquisas (Gonçalves, 2010; Leal, 2005; Neuman, 2010; Souza, et al. 2009) apontam que a motivação principal para que ocorra a infidelidade são os sentimentos de insatisfação com a relação. Tais emoções refletem a inabilidade dos cônjuges em gerenciar os problemas que, com o passar do tempo, aumentam e desgastam cada vez mais a relação e os parceiros. Porém, a literatura não alude à repercussão da infidelidade na experiência íntima da pessoa que traiu.

Nota-se, também, a utilização predominante de métodos quantitativos para investigar a infidelidade obtendo-se resultados que levam a identificação, generalização e frequência com que o fenômeno ocorre. Percebe-se, inclusive, que os homens prevalecem sendo mais infiéis que as mulheres (Goldenberg, 2006; Goldenberg, 2011; Gonçalves, 2010; Neuman, 2010) e que a traição está entre os principais motivos da dissolução conjugal (Zordan & Strey, 2011). No entanto, compreender as razões que levam os homens a trair implica em ir além das respostas objetivas e analisar a percepção, os sentimentos e a reverberação do fenômeno na experiência pessoal desses indivíduos. Além disso, Neuman (2010) refere que para entender melhor porque alguns homens são infiéis em seus relacionamentos é necessário investigar em profundidade os próprios homens e ir além das medidas. Por esses motivos, o objetivo desta investigação é compreender a percepção e os sentimentos que homens infiéis têm de sua relação oficial e as motivações para a traição.

Método
Delineamento: trata-se de uma pesquisa qualitativa com delineamento descritivo. Adotou-se este, com o intuito de analisar a experiência e os significados que os participantes têm internalizado acerca do fenômeno estudado. Este delineamento possibilitará também priorizar o conteúdo emergente durante as entrevistas devido à flexibilidade possível neste método de investigação, considerando inclusive a implicação do pesquisador na análise dos dados (Turato, 2008). Por ser uma pesquisa com delineamento descritivo, indicará as categorias temáticas que emergiram das entrevistas, contextualizando-as através das falas dos participantes. Apresentar-se-á a interpretação dos relatos e os significados expressos nestes conteúdos e, ainda, a relação entre os resultados da análise, o fenômeno investigado e o contexto mais amplo de estudo sobre o tema (Cervo & Bervian, 2006).

Participantes: participaram do estudo cinco homens heterossexuais, caracterizados a seguir: E1, 23 anos de idade, vivendo em união estável há cinco anos e dois meses. O participante trabalha na área da saúde e está cursando o ensino superior. E1 referiu na entrevista que a traição aconteceu após o quarto ou quinto mês de relacionamento; E2, 30 anos de idade, vivendo em união estável há 13 anos. O respondente trabalha na área da segurança e possui ensino médio completo. Durante a entrevista referiu que a traição aconteceu no primeiro ano do atual relacionamento; E3, 29 anos de idade, solteiro, trabalha na área da saúde e possui ensino superior completo. E3 referiu na entrevista que a traição aconteceu por volta do oitavo mês de uma união estável que durou 12 meses; E4, 34 anos de idade, solteiro, trabalha na área de vendas e possui ensino médio completo. O respondente referiu que a traição aconteceu nos primeiros meses de uma relação que durou três anos e meio; E5, 35 anos de idade, vivendo em união estável há cinco anos. O participante trabalha na área da segurança e possui ensino superior incompleto. Referiu que o episódio de infidelidade aconteceu por volta do quinto ano da relação conjugal anterior que durou 11 anos.

Ressalta-se que os critérios de inclusão foram de que os participantes deveriam ser maiores de 18 anos, ter vivido em união estável pelo período mínimo de um ano e ter tido pelo menos um relacionamento extraconjugal durante a relação oficial. Não foram critérios os participantes permanecerem na relação onde houve a traição, o tempo que durou o caso extraconjugal ou questões como estado civil atual, escolaridade, profissão, ter ou não filhos.

Instrumentos: utilizou-se como instrumento de coleta de dados uma entrevista semiestruturada, formulada a partir dos principais pressupostos teóricos encontrados na literatura revisada associados à infidelidade. As questões norteadoras foram: a) Como era a relação conjugal oficial? b) Como era a vida profissional de cada um? c) Que atividades eram feitas socialmente enquanto casal? d) Como era a relação de cada parceiro com as famílias de origem? e) Que motivos levaram à traição? f) O que pensam sobre a infidelidade que aconteceu?

Procedimentos de coleta de dados: os participantes foram selecionados pelo critério de conveniência, sendo indicados por pessoas conhecidas dos pesquisadores. Após a indicação, foram contatados por telefone, informados dos objetivos do estudo e convidados a participar da pesquisa. Diante do aceite as entrevistas foram agendadas segundo a disponibilidade de cada participante e ocorreram em uma sala de atendimento da Clínica Escola de Psicologia à qual os pesquisadores estão vinculados. As entrevistas foram gravadas em áudio e tiveram duração aproximada de 40 minutos.

Procedimentos éticos: esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o protocolo de número 27/11. Os participantes receberam uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que se leu a fim de reforçar questões como sigilo, preservação da identidade dos participantes e garantia de que os resultados do estudo seriam usados apenas para fins de pesquisa. Informou-se os participantes que a entrevista seria gravada em áudio e que após a análise das transcrições os arquivos seriam deletados. Por fim, avisou-se que eles poderiam desistir de participar da pesquisa sem nenhum prejuízo, sobre o risco de se sentirem mobilizados pelo conteúdo das entrevistas e sobre a contribuição que estariam dando à pesquisa científica sobre o tema.

Análise dos dados: as entrevistas foram transcritas com fidedignidade e os dados analisados à luz da perspectiva teórica sistêmica pelo método de análise de conteúdo proposto por Bauer (2008). Este método de análise compreende as seguintes etapas: a) Pré-análise: compreende a leitura flutuante do material, de modo que os pesquisadores conheçam os documentos e o texto, deixando-se invadir por impressões e orientações; b) Exploração do material: nesta etapa ocorre à administração sistemática das decisões tomadas, quer se trate de procedimentos aplicados manualmente ou não. Esta fase costuma caracterizar-se por ser longa e fastidiosa, porém consiste essencialmente de operações de codificação, desconto ou enumeração, em função de regras previamente formuladas; c) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação: os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos e válidos, constituindo categorias temáticas para discussão.

Resultados e discussão
As informações coletadas nas entrevistas permitiram formular três categorias temáticas de análise: a) No começo era diferente: eu era fiel; b) Aspectos transgeracionais da infidelidade e c) Infidelidade masculina?

No começo era diferente: eu era fiel
Nesta primeira categoria se percebe que o entrosamento dos parceiros é diferente no começo da relação amorosa. Tal percepção corrobora Almeida, Rodrigues e Silva (2008), sobre a conjugalidade iniciar de maneira satisfatória, quando o prazer e investimento que envolve os cônjuges anulam a possibilidade de uma traição acontecer. Nessa fase do enamoramento e da paixão geralmente o casal não faz o movimento de mensurar o quão as diferenças existentes entre eles poderão ou não interferir no relacionamento em longo prazo, elas simplesmente não são consideradas importantes.

E1: No começo a relação era tranquila. Não tinha ciúme, não tinha briga, não tinha nada; E2: naquela época os dois estão mais flexíveis, os dois estão a fim da mesma coisa, então eles abrem mão das próprias coisas pra contentar o outro; E5: O início da relação foi perfeito dentro daquilo que nós esperávamos.

As sensações presentes na fase inicial da relação, enquanto predomina a paixão, o desejo de estar junto e o encantamento pelas qualidades do parceiro, podem interferir na percepção das diferenças, limitações, gostos e costumes do outro. A atração faz com que as pessoas não percebam as diferenças existentes, ignoram-se as frustrações, as angústias, o medo, a insegurança, entre a infidelidade masculina. Os resultados outros sentimentos, que são minimizados pelo prazer de estar junto (Matarazzo, 2008; Mendonça, 2009). No entanto, após a fase inicial do relacionamento, o casal deparar-se-á com outra realidade que começa na partilha de um mesmo espaço, das tarefas domésticas, contas, problemas com vizinhos e com as famílias de origem de cada um, entre outras coisas que vão desgastando a relação e transformando a percepção inicial que se tinha da vida a dois (Wagner & Mosmann, 2011). Dessa forma, percebe-se que mesmo quando o início da relação foi assertivo, os casais têm dificuldade de superar satisfatoriamente os percalços naturais da conjugalidade optando, muitas vezes, por caminhos mais curtos como a separação (Zordan & Strey, 2011) ou o envolvimento com uma terceira pessoa, que passa a habitar a relação dual.

Além disso, percebe-se que a maior parte dos entrevistados tem internalizado crenças distorcidas acerca das relações amorosas. Tal maneira de conceber a conjugalidade corrobora o que Falcke, Diehl e Wagner (2002) apontam sobre a crença que os casais têm de que precisam manter um sentimento duradouro e intenso, sentir-se plenamente satisfeitos e em comunhão de ideias sob todos os aspectos da conjugalidade, como a parceria/amizade, o sexo, as afinidades, os projetos em comum, as decisões que precisam ser tomadas a dois, a criação dos filhos, entre outras questões.

E1: Naquela época, se eu falasse pra ela, vamos em tal lugar, e ela dizia não eu ficava bravo, ou eu ia sozinho ou ficava os dois em casa e brigava, não se falava porque eu não conseguia aceitar as diferenças entendeu. E isso me levou a procurar o que eu não tinha em casa, eu procurava fora, entendeu. Queria uma guria que fosse companheira que eu dissesse, vamo em tal lugar, vamo! E3: Vira rotina, você ver todo dia, todo dia, todo dia, dava um ano e eu já não tinha tesão, já tinha feito tudo que tinha que fazer; E4: os dois estão juntos, tem aquela troca de carinho assim, mas é que na infidelidade assim quando a gente sai, essas trocas de carinho são mais intensas. E5: eu não queria que se apagasse aquela chama desse primeiro relacionamento, eu não queria que apagasse aquela chama de paixão, de desejo, de vontade, só que ela deixou de ter um pouco de atenção comigo.

A dificuldade dos participantes em lidar com a frustração pode estar relacionada às expectativas excessivas que eles têm em torno de uma conjugalidade ideal, nutrem sentimentos desconectados da realidade conjugal que, uma vez não saciados, tornam-se fatores que motivam à infidelidade. Além disso, o envolvimento dos entrevistados em relacionamentos extraconjugais pode ter sido também uma fuga da rotina. O risco que se corre nessas situações e de o caso ficar mais intenso e se configurar em uma ilusão romântica (Pasini, 2010), geralmente como consequência da necessidade do indivíduo suprir as suas expectativas frustradas relacionadas à sua relação conjugal que, pelo fator humano, não haveria como ser perfeita.

Percebe-se que os participantes demonstram dificuldades para gerenciar os momentos distintos do curso de uma relação conjugal. As consequências dessa dificuldade geram decepção, desilusão, distanciamento e carência afetiva, culminando numa gama de emoções confusas e no surgimento de lacunas que podem ter oportunizado a traição que cometeram. Os participantes referem situações como: E3: Não fiquei com ela, acabou não dando certo, eu me decepcionei, não era o que eu imaginava; E4: Por carência, bastante carência afetiva; E5: ela foi se apagando, ela já não se preocupava mais em estar sempre maquiada, ela não se preocupava mais em botar uma roupa mais sexy sabe. Todas as vezes que eu cometi o ato da traição foi por carência e solidão.

Através do relato dos entrevistados nota-se que o desinvestimento conjugal, em algumas situações, culminou em distanciamento afetivo e sexual. Nesse momento os parceiros ficam expostos e vulneráveis à investida de outras pessoas e surgem possibilidades para o novo, o diferente, que atrai, faz ressurgir sensações adormecidas, gera expectativa e engrandece a estima. Tal fato ameniza o descontentamento conjugal, desvia a atenção dos parceiros e impede um possível enfrentamento e resolução das dificuldades do casal. No entanto, o nível de expectativas elevado em torno da conjugalidade, o desinvestimento e as divergências entre os cônjuges foram considerados, nesta primeira categoria, como precipitadores da infidelidade. Porém, os aspectos transgeracionais e a clareza quanto à responsabilidade partilhada dentro de uma relação (Braz, Dessen & Silva, 2005), também são fatores fundamentais à compreensão do fenômeno investigado
Aspectos transgeracionais da infidelidade
Os aspectos transgeracionais da infidelidade apontam para repetições familiares através do comportamento de trair, para crenças machistas e patriarcais que legitimam a traição masculina e para a necessidade maior de sexo por parte do homem, fatores que contribuem para que aconteçam relações extraconjugais. Tais fatores corroboram a literatura sobre o tema (Arent, 2009; Bucher-Maluschke, 2008; Gonçalves, 2010; Prado, 2009; Tokumaru, et al. 2010) e instigam à reflexão sobre o que os homens pensam e sentem, e sobre como avaliam e percebem o comportamento masculino de trair, compreendendo-se efetivamente como é vivida a experiência masculina da infidelidade.

Os dados coletados nas entrevistas apontam que nas famílias dos participantes existiram infidelidades, geralmente associadas a algum membro da família vinculado ao participante. E2: pela parte do meu pai existe infidelidade até hoje na verdade; E4: do meu irmão mais velho, e quando eu era pequeno eu pensava que queria ser igual a ele; E5: na família dela teve, o pai dela teve uma amante por muitos anos e, inclusive, saiu de casa logo que nós nos unimos ele abandonou a casa dela e da mãe dela, pra se juntar com essa outra pessoa.

Percebe-se, pelos relatos dos participantes, que existe uma estrutura transgeracional moldando o funcionamento do indivíduo para o comportamento de ser infiel, seja através de delegações, lealdades ou segredos. Muitas vezes, de forma inconsciente, o sujeito repete o mesmo padrão de funcionamento familiar no seu relacionamento amoroso. Nesse sentido, mesmo quando um dos entrevistados demonstrou reprovar o comportamento transgressor de um dos membros de sua família de origem, a forma de resolução de conflito apreendida se repetiu sob nova configuração, como evidencia a fala de E3: Por isso que assim, durante muito tempo na minha vida eu fui fiel. Por causa da referência que eu tenho da minha casa, porque eu não vivo com meu pai, eu vivi a minha vida inteira com a minha mãe e as minhas duas irmãs. Então não foi um exemplo pra mim a traição de meu pai. Ele é cara muito tranquilo comigo, um cara muito descarado, só que quando tá casado continua descarado e trai a vontade e eu não.

Por isso, nas gerações em que se percebem as transmissões, as heranças poderão ser aceitas ou rejeitadas. Cada membro do novo casal possuirá uma memória familiar vinculada ao que foi vivenciado e transmitido na sua família de origem. Esse funcionamento poderá ser reproduzido para os filhos que terão a missão de manter vivos esses conteúdos familiares para outras gerações mesmo que ocorram transformações (Bucher-Maluschke, 2008). Por outro lado, os dados do estudo demonstraram que também é possível que as experiências e heranças familiares sejam ressignificadas, atingindo-se um equilíbrio entre a tendência à repetição e o desejo de construir uma trajetória diferente da vivida junto à família de origem.

Além disso, emergiram da análise dos dados, outros fatores transmitidos transgeracionalmente. Entre eles os aspectos sociais e as crenças que legitimam a traição masculina. Tais fatores constituem um contexto, predominantemente, machista e patriarcal que consolida a personalidade de meninos e meninas que, quando adultos, reproduzem em seus relacionamentos íntimos esse padrão de funcionamento, como revelam os seguintes entrevistados: E3: os caras mais velhos me falavam que a infidelidade masculina é diferente da feminina. Que na masculina o cara é infiel e sabe separar as coisas; E4: é muito pouco os homens que não traem, definitivamente dos homens que eu conheço assim, são muito poucos que não conseguem trair.

Outro elemento presente nas análises refere-se à necessidade sexual masculina, fator que pode contribuir para que o homem seja infiel. Para dois participantes a necessidade masculina de sexo é mais acentuada que a feminina e, por isso, sempre chegará um momento em que a parceira, segundo a percepção masculina, não dará conta de suprir as necessidades que o homem tem de sexo. Os entrevistados fazem alusão ao aspecto sexual referindo E3: Porque ele tem necessidade, não só amorosa, mas tem necessidades sexuais que a partir de um tempo, você não aguenta velho, você tem que ter uma, não ter uma amante, mas tem que dar um pulinho aqui, outro ali. O homem tem necessidades sexuais que uma mulher só não consegue satisfazer; E5: ela começou a deixar de ter um pouco de desejo, ela espontaneamente não me procurava, mas quando eu procurava tudo bem, foi espaçando cada vez mais a nossa vida sexual.

Os participantes expressam uma carência de sexo que pode estar associada com a necessidade masculina de transparecer virilidade, superação e potência principalmente no âmbito sexual. Esse discurso com conotação machista participa da constituição da identidade do menino que internalizará este legado e o reproduz, muitas vezes, a custa de sofrimento psíquico, para se afirmar frente aos seus. Esse resultado corrobora os estudos de Goldenberg (2006) sobre, os principais motivos pelos quais se comete a traição, estarem relacionados à própria natureza masculina, questões como atração, desejo, vontade, excitação e dificuldade de manter o controle frente às oportunidades.

Infidelidade masculina?

A infidelidade acontece por uma série de questões que envolvem o par marital e eventos esperados e inesperados do ciclo vital conjugal. Entre tais questões está a inabilidade em equilibrar a vida a dois e manter a individualidade, os desencontros e distanciamentos devido à falta de diálogo e comunicação assertiva, a responsabilidade partilhada dos conflitos conjugais e as oportunidades existentes nos ambientes profissionais, acadêmicos e sociais. Tais fatos, identificados neste estudo e confirmados pela literatura (Braz, Dessen & Silva, 2005; Féres-Carneiro, Ziviani & Magalhães, 2011; Pasini, 2010; Zordan & Strey, 2011; Zordan, Wagner, & Mosmann, 2012), podem ter desgastado a relação dos participantes, provocado sentimentos destrutivos que foram internalizados ao longo do tempo e contribuído para a ocorrência da infidelidade.

Um fator salientado pelos entrevistados que culminou em infidelidade foi a dificuldade de vivenciar a conjugalidade e manter a individualidade. Percebe-se que os participantes encerraram uma trajetória individual, cultivada até o momento em que se encontraram, e passaram a viver a união de forma fusionada. Com o passar do tempo, depois do período da paixão, passaram a sentir-se sufocados, desejando mais individualidade e liberdade, aspectos que podem estar associados à traição que cometeram: E3: a gente ia jantar assim com os amigos. Dificilmente fazíamos alguma coisa um sem o outro, não tinha nada; E4: no começo a gente até tinha mais vida social; E5: não tinha muito a individualidade; E1: Naquela época, se eu falasse pra ela, vamos em tal lugar, e ela dizia não eu ficava bravo, ou eu ia sozinho ou ficava os dois em casa e brigava.

Outro dado relevante refere-se às oportunidades proporcionadas por ambiente favorável, que também podem ter instigado o comportamento infiel. Os entrevistados mencionam o assédio que sofreram das mulheres no contexto onde estavam. E5: bate à carência, um pouco de desilusão, as pessoas também sentem aquela tua fragilidade e é nesse momento que a aproximação muda de uma amizade pra uma infidelidade; E1: era só eu de guri na sala, era só mulher e eu de homem, sempre tinha aquele assédio, aquela coisa, e eu não sabia controlar, se elas me assediavam eu ia; E4: é a confusão dos sentimentos, porque todo mundo entra na mente das pessoas onde tem lacunas. Segundo os relatos, a percepção de terceiros de que há algo no relacionamento oficial do homem que não vai bem se configura em uma oportunidade para trair. Além disso, as facilidades no ambiente de trabalho, no meio acadêmico, em festas e outros espaços sociais podem ter contribuído à infidelidade dos respondentes.

A traição, segundo Pasini (2010), inicia normalmente nos ambientes de trabalho, diante de oportunidades oriundas das relações diárias. Os dados desta pesquisa demonstraram que apesar de o momento também fazer o homem infiel, a traição só se concretizará se a relação oficial estiver em crise, corroborando outras pesquisas (Gonçalves, 2010; Leal, 2005; Neuman, 2010; Souza, Santos & Almeida, 2009) que apontam que a insatisfação conjugal está entre os principais motivos da infidelidade. Nesse sentido, um relacionamento em que o projeto de vida conjugal está edificado de maneira sólida, pautado na escolha mútua, no desejo compartilhado e no qual prevalecem os sentimentos de amor, não haverá oportunidades para a entrada de uma terceira pessoa e para a ocorrência de aventuras efêmeras (Mendonça, 2009). Não se trata de uma tarefa fácil, é preciso perseverar frente aos desafios da vida conjugal (Gomes, 2009) e não desviar o foco pela simples existência de ocasião propícia ao comportamento de trair.

Todos os participantes referiram categoricamente que compreendem a infidelidade como uma questão negativa, que destrói a relação e gera sentimentos de arrependimento e culpa que perduram por muito tempo, confirmando os pressupostos teóricos de alguns autores (Horta & Daspett, 2010; Pittman, 1994; Viegas & Moreira, 2013). Segundo os respondentes a experiência provoca sentimentos ruins, mas também serve para que se tenha clareza de que a opção de trair não foi a melhor para que a relação conjugal voltasse a ser satisfatória. Quando questionados sobre como se sentiam e o que pensavam sobre a traição cometida, alguns participantes relataram: E1: A traição não valeu a pena. A infidelidade que eu tive não me acrescentou em nada; E2: Na maior parte do tempo eu me arrependo. Eu penso naquilo que eu fiz antes lá e bate um profundo arrependimento; E4: No dia que eu traí ela eu pensei em mudar.

Percebe-se, através dos relatos, que as consequências da traição repercutiram intensamente nos envolvidos que se questionaram sobre os motivos da infidelidade e tentaram gerenciar o sentimento de arrependimento e o desejo de mudar o comportamento transgressor. Na mesma direção em que a literatura aponta (Almeida, 2007; Pasini, 2010) a reverberação da infidelidade na experiência pessoal dos participantes gerou reflexões e, mesmo para aqueles que não permaneceram na relação onde houve a traição, foi possível perceber transformações na percepção que tinham do fenômeno em questão.

Considerações finais
O objetivo deste artigo foi compreender a percepção e os sentimentos que homens infiéis têm de sua relação oficial e as motivações para a traição. Considera-se, a partir da análise realizada, que a infidelidade masculina está imersa num universo relacional que subjetiva homens e mulheres no ciclo de desenvolvimento familiar. Tal subjetivação ocorre de forma imperceptível, pois faz parte de um cotidiano cultural permeado por crenças que retroalimentam sentimentos, atitudes e verbalizações que se repetem de geração em geração. Cabe ressaltar que a infidelidade não se encerra em si mesma, para compreendê-la é necessário investigar todo o percurso conjugal que a antecedeu, inclusive, a vida dos cônjuges envolvidos no que diz respeito às crenças internalizadas que influenciam a forma como os parceiros se relacionam.

Ademais, a infidelidade é um acontecimento que desafia a conjugalidade e possibilita, muitas vezes, reconhecer que determinada relação já cumpriu com aquilo que deveria na vida dos parceiros. No começo da relação, ser fiel apresenta-se como uma tarefa natural para os cônjuges que se sentem envolvidos com o que caracteriza o início de um novo projeto de vida. No entanto, com a convivência conjugal, os aspectos transgeracionais apreendidos e internalizados são facilmente repetidos na tentativa de resolução de conflitos, angústias e desejos não satisfeitos. Por isso, a complexidade que envolve a infidelidade conjugal exige uma análise criteriosa dos padrões relacionais vivenciados pela díade no relacionamento atual, assim como a relação com suas famílias de origem. Tal análise poderá propiciar ao casal e ao indivíduo o entendimento sobre os condicionantes da história de vida que interferem no comportamento e na percepção de mundo de ambos.

Nesta perspectiva, compreender-se e, sobretudo, aceitar-se, permite ao sujeito viver com mais leveza e tranquilidade, com a possibilidade de reavaliar atitudes, comportamentos e sentimentos. Além disso, a postura acolhedora, a empatia e o conhecimento sobre a infidelidade são fundamentais aos terapeutas de casal e família. A avaliação e intervenção desses profissionais podem interferir no desfecho de um atendimento envolvendo questões de traição. Nesse sentido, a reflexão adequada no contexto terapêutico pode contribuir a resolução do conflito e, consequentemente, à qualidade de vida pessoal, conjugal e familiar dos atendidos e das futuras gerações que se desenvolverão em um contexto social reflexivo e funcional.

Finalmente, o tema proposto se configura numa problemática que contempla aspectos multifatoriais para seu entendimento. Nesse sentido, este estudo esteve limitado à compreensão de um fenômeno complexo na perspectiva restrita de homens de determinado grupo social e cultural. Além disso, a presente pesquisa não apresenta resultados inovadores no que se refere a temática da infidelidade, porém, aponta a necessidade de se desenvolver outras pesquisas. Recomenda-se que estudos futuros priorizem o método qualitativo e, através de grupos focais e diferentes métodos de análise, investiguem especificidades próprias de algumas culturas, realidades sociais, características de personalidade dos sujeitos e padrões relacionais do par conjugal, contribuindo ao conhecimento científico sobre a infidelidade e fornecendo subsídios para o trabalho com casais e famílias.

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Endereço para correspondência 
Crístofer Batista da Costa 
E-mail: cristoferbatistadacosta@gmail.com
Cláudia Mara Bosetto Cenci 
E-mail: claudia.cenci@imed.edu.br
Enviado em: 04/02/2014 
1ª revisão em: 26/05/2014 
Aceito em: 16/06/2014


1 Psicólogo, Mestrando em Psicologia Clínica (UNISINOS/RS), Especialização em Dinâmica das Relações Conjugais e Familiares (IMED/RS). 
2 Psicólogo, Mestrando em Psicologia Clínica (UNISINOS/RS), Especialização em Dinâmica das Relações Conjugais e Familiares (IMED/RS).




                               ENTENDENDO A INFIDELIDADE FEMININA


       Sociedade Paulista de Psicanálise
Freud explica, nós ensinamos!


Entendendo a infidelidade feminina

4 de fevereiro de 2014Sociedade Paulista de Psicanálise Leave a comment
Matéria retirada do portal Ciência e Vida no dia 03/02/2014 às 12:51:  http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/88/artigo290642-1.asp
por: Roberta Medeiros

As transformações sociais ocorridas nas últimas décadas abriram uma brecha para que algumas mulheres, sobretudo as que pertencem às gerações mais jovens, começassem a tomar para si o “direito” de trair por desejo

Imagens: Shutterstock

Segundo o dicionário Aurélio Buarque de Hollanda, traição é também perfídia, deslealdade, infidelidade no amor; é enganar, atraiçoar, denunciar, delatar, ser infiel. Em outras palavras, é o descumprimento de um acordo sem que o outro tenha conhecimento disso. E por mais condenável que a traição seja aos nossos olhos, não há quem nunca tenha cometido esse deslize em algum momento da vida. Ou, na melhor das hipóteses, acalentamos secretamente o desejo de trair.

Você já foi infiel? Já desejou ser infiel? Ou manteve uma relação com um homem casado? A pergunta foi respondida por um grupo de 166 mulheres da classe média carioca, e elas responderam em uníssono: a maioria disse que sim. A pesquisa feita pela antropóloga Olívia von der Weid ainda revelou outros dados, mostra que as mulheres encaram o adultério de diferentes formas, variando de acordo com a condição afetiva de cada uma delas. Abaixo dos 30 anos, por exemplo, a infidelidade é superior à média, e chega a 60% nas mulheres com até 20 anos.

Tudo indica que algumas mudanças começam a se delinear no horizonte. Parece que as transformações sociais ocorridas nas últimas décadas abriram uma brecha para que algumas mulheres, sobretudo as que pertencem às gerações mais jovens, começassem a tomar para si o “direito” de trair por desejo e não somente por retaliação, como normalmente elas justificavam a infidelidade. Há quem afirme que tais transformações permitiram uma virada feminina, contrariando inclusive algumas doutrinas que tratavam de explicar a traição sob o prisma das ciências naturais.

Ciência explica?

De acordo com algumas teses inspiradas na teoria do evolucionista britânico Charles Darwin (1809-1882) acerca da seleção natural, a natureza teria determinado que as mulheres fossem mais seletivas, fiéis e zelosas com a prole, enquanto os homens menos rigorosos e mais inclinados a buscar várias parceiras, tendo um mecanismo capaz de rastrear os odores sexuais, além de energia para combater possíveis rivais e fertilizar o maior número possível. Em outras palavras, os homens estariam preparados biologicamente para trair; e as mulheres, para serem dedicadas.

Tais ideias têm sido sustentadas por muita gente, sobretudo por biólogos, na tentativa de explicar a evolução da raça humana. Segundo essa abordagem, nosso comportamento sexual seria guiado por certos mecanismos biológicos envolvidos com o desejo sexual, e eles estariam programados para trabalhar a favor da manutenção da espécie. É estranho falar dessa maneira, porque somos mais do que aves ou chimpanzés, mas essa teoria ainda é explorada – e o campo de estudo da Psicologia Evolutiva chama esses mecanismos envolvidos na reprodução e cuidados com a prole de investimento parental.

Por esse prisma, fica mais fácil de entender porque dizem que a traição é encarada de formas distintas entre os sexos. Para a mulher, a infidelidade no campo afetivo seria mais ameaçadora do que no campo sexual, já que ela busca um parceiro constante para dividir cuidados com os filhos. “Um homem produz um número milionário de espermatozóides e não está sujeito a ciclos biológicos, se não os descarrega sofre as consequências; uma mulher responde a ciclos e nasce com um número certo de óvulos que conduzem sua vida e que se impõem a ela. A fidelidade única e verdadeira é a da natureza”, argumenta o psicanalista Osmar Oliveira.

Por outro lado, há estudos recentes que endossam as bases biológicas para a infidelidade feminina. Neste sentido, a traição seria resultado de uma programação genética e biológica. O pesquisador Tim Spector, da Unidade de Pesquisa de Gêmeos do St.Thomas Hospital, concluiu que algumas mulheres estariam programadas geneticamente para serem infiéis. A notícia, claro, foi recebida não sem uma boa dose de controvérsia por quem é do meio científico.

Ao acompanhar o desenvolvimento de duas duplas de irmãs gêmeas, Spector constatou que se uma delas tivesse se mostrado infiel, a probabilidade da irmã também apresentar esse tipo de comportamento era de 55%. O pesquisador diz ter observado que as chances de que um dos dois irmãos sejam ou não infiéis é bem maior quando eles são univitelinos. “Seria burrice negar que a infidelidade não é definida nos genes, assim como os outros traços de personalidade. Entre as mulheres casadas, apenas 23% traem seus parceiros”, argumenta. Será?

De alguma maneira, a explicação para certos comportamentos cada vez mais é sustentada por uma abordagem biológica. No ano passado, um estudo da Universidade de Emory, nos Estados Unidos, deu o primeiro passo no sentido de decifrar fenômenos sociais como a fidelidade e a traição segundo diferenças genéticas. Os pesquisadores notaram que em sua colônia de arganazes-do-campo, um tipo de roedor semelhante ao esquilo, alguns animais ficavam mais tempo com sua prole que outros. Ao rastrear a origem, eles concluíram que os fiéis e os infiéis tinham uma variação no comprimento da região do DNA que controla um certo gene.

Os pesquisadores chegaram à conclusão de que os animais com segmentos de DNA mais longos possuíam mais receptores de vasopressina, um hormônio que regula o comportamento social em diversas espécies. Animais com segmentos longos tiveram níveis mais elevados de receptores do hormônio presentes nas áreas do cérebro que comandam o comportamento social e o cuidado familiar. Estes animais se aproximariam de outros mais rapidamente e gastariam mais tempo na alimentação dos filhotes.

Claro, esses resultados devem ser vistos com cautela. Afinal, nem é preciso dizer, humanos são de longe mais complexos do que roedores, sendo impossível traçar um paralelo entre eles. Entretanto, os autores defendem que há certos indícios que nos levam à hipótese de que os atributos genéticos indiquem a predisposição de uma pessoa à fidelidade ou à traição. Sabe-se, por exemplo, que há receptores da vasopressina em humanos e, da mesma maneira, o hormônio está mais presente em algumas regiões do cérebro do que em outras.

É verdade que essa explicação genética para a traição está longe de ser esclarecida. Seria particularmente difícil prever o comportamento de um indivíduo a partir de sua herança genética. O motivo? É bastante simples: “A cultura provavelmente compensaria qualquer efeito genético”, ressalta Larry J. Young, um dos responsáveis pelo estudo da Emory, que pretende descobrir se o mecanismo encontrado nos roedores também está presente em seres humanos. “A variabilidade pode esclarecer alguma diversidade em traços sociais humanos e de personalidade”, diz.

PARA SABER MAIS

Moeda de troca]

A despeito dos valores voláteis do homem pós-moderno, que evita criar vínculos, o psicólogo Antonio Carlos Alves de Araújo acredita que ainda vale a pena pensar no amor a dois. A solução para todos os problemas apontados seria o que o terapeuta de casais chama de equilíbrio energético. Esse equilíbrio passaria pela “conscientização de que um relacionamento ou amizade é algo vital, que requer manutenção ou investimento diário, assim como nossa tarefa de sobreviver”.

Araújo diz que, em relação à traição, o que deve ser levado em conta é o caráter da pessoa, o seu desenvolvimento, as chances que ela teve na vida, o seu histórico afetivo… Isto não é visto por muitas dessas pesquisas genéticas, que não têm outro direcionamento, senão o de favorecer a indústria farmacêutica, segundo ele. “O sofrimento não tem bases genéticas. Aliás, o sofrimento virou um mercado muito concorrido, ele é muito disputado por diversos segmentos, pelo shopping, pela mídia, pela religião, pela indústria”, critica.

Cruel consequência

As proposições da biologia nem sempre são bem recebidas por quem trabalha diretamente com as sequelas emocionais deixadas pela traição. A psicóloga Silvana Martani, da Clínica de Endocrinologia da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, descarta totalmente a hipótese baseada na genética. Ela acredita que não existem diferenças entre homens e mulheres quando o assunto é traição. “O que existe é tentar desvalorizar a traição e suas consequências quando se divide em sexual e afetiva. A traição é um sofrimento para todos, homens e mulheres, e não tem diferenciação de fato”, conclui.
Quando o assunto é traição, não há vencedores. No campo social, ela equivale à demissão. E com uma desvantagem: o traído sequer sabe porquê está sendo demitido. Assim, o ato de infidelidade impede que as questões que exasperam o casal sejam expostas a partir do diálogo. “Quem trai obstrui a comunicação, impede que o outro elabore uma defesa”, afirma o psicólogo e terapeuta de casais Antonio Carlos Alves de Araújo, para quem a infidelidade é uma espécie de despotismo, só que no terreno amoroso.

Araújo é adepto das teorias de Alfred Adler (1870- 1937). Segundo esse psiquiatra escocês, o comportamento humano é guiado pela busca de superioridade. O desejo de poder seria uma forma de compensar a condição de inferioridade que vivenciamos na infância frente aos adultos. Daí a vontade de sermos fortes e capazes, como aqueles nos quais nos espelhamos; e mesmo depois de crescidos, continuamos acalentando tais ideais de perfeição.

Baseado na sua experiência clínica, o terapeuta afirma que o desgaste do relacionamento não é a única justificativa plausível para a traição. Para ele, o que motiva o comportamento infiel é, na verdade, o narcisismo e a competição. O ato de trair estaria ligado à necessidade de estabelecer uma relação de vantagem em relação ao companheiro – seja para compensar a falta de segurança, afeto e atenção; seja para, simplesmente, firmar uma relação de poder, por puro capricho narcisista. A traição seria a vingança pela falta de empenho do outro. A mulher que trai está punindo o parceiro que não deu atenção a ela. Para o homem, a traição pode ser vista como uma ambição. “Um paciente meu disse que trai a mulher três vezes por dia, com três mulheres diferentes. Ele diz que faz isso porque é ambicioso. E agora busca tratamento porque teme que a mulher faça o mesmo. A traição, neste caso, está relacionada com narcisismo; em Psicologia chamamos de estrutura narcisista de caráter. O ponto central da infidelidade parece ser o desejo de poder”, explica.

Ele compara o infiel ao banqueiro que planeja uma maneira de “lucrar” no relacionamento. O homem procura conquistar poder e respeito perante seus pares, enquanto a mulher aposta na beleza com uma tática de sobrevivência de sua parte afetiva, tentando evitar o abandono a qualquer preço. Note que ambos figuram como investidores!
E no concorrido mercado do amor, a beleza ganha peso de “commodity”, normalmente associada ao prestígio e ao status.

Da mesma maneira que Adler – que defende a tese de que todos os problemas importantes na vida de uma pessoa são de ordem social -, Araújo descarta a hipótese de que genética possa explicar a propensão de algumas pessoas para a infidelidade, como sugerem alguns estudos recentes desenvolvidos nesse campo. Ao contrário, ele diz que o sofrimento não tem bases genéticas: o que deveria ser levado em conta é o caráter, o contexto, o desenvolvimento e a história afetiva de quem trai.

Sinal de caráter 

Fala-se que homens e mulheres interpretam a traição de formas diferentes. A mulher estaria mais preocupada com a traição no campo afetivo enquanto o homem no campo sexual. Essa distinção faz sentido? Segundo Antonio Carlos Alves de Araújo faz sentido, sim. “Mas há outras diferenças que eu percebo a partir da minha experiência em terapia de casais. A mulher geralmente tenta perdoar mais que o homem. O homem não costuma relevar, ele nem mesmo vem à terapia por si só. Boa parte dos homens prefere recorrer a detetives a avaliar o que está dando errado no relacionamento”.
Interpretando esses casos a partir de uma abordagem freudiana, dizemos que o sujeito que é ciumento a ponto de pagar alguém para vigiar a mulher, na verdade projeta nela o que há de pior em si. Geralmente, são homens que também estão traindo.

No passado, as mulheres justificavam a infidelidade pela traição do marido. Já as mulheres das novas gerações tomaram para si um direito que até então era masculino, o de trair por desejo. “Tenho um paciente jovem que tem uma namorada que faz academia, pratica musculação, toma anabolizantes e coisas do gênero. É uma mulher masculina, ela deseja um atributo masculino. O que assistimos atualmente é isso, mulheres imitando homens, tomando de empréstimo seus piores hábitos”. Para ele, esse desejo desenfreado por ter diversos parceiros, o desejo de trair, é reproduzido, quando na verdade deveria ser combatido, controlado. “Mas as novas gerações se desenvolveram a partir de valores hipernarcisistas, são pessoas individualistas e altamente competitivas”.

A timidez também teria uma relação com infidelidade. O papel daquele que escamoteia o diálogo no relacionamento é destruir os sonhos do outro, impedir que alguém atinja o clímax com ele, porque se isso acontecer ele terá um compromisso de retribuir. “Egoísmo, timidez, narcisismo, competição… esses problemas estão envolvidos com a infidelidade. Posso dizer que o indivíduo que tem uma postura tímida no relacionamento é um estelionatário emocional. Ele opta por um relacionamento, mas, ao mesmo tempo, procura se esconder, evita o diálogo, impede que o casal discuta seus problemas quando eles surgem, nega-se a compartilhar qualquer experiência íntima. O que essa pessoa pretende é bloquear a troca afetiva. Depois ele acaba se queixando da traição. Tenho muitos casos assim, são homens que preferem lidar com máquinas a conviver com seus pares. Geralmente, isso acontece porque tiveram privação afetiva em algum momento da vida”.

Mas diante do ultranarcisismo e do individualismo do homem pós-moderno, que não estabelece laços profundos com nada, ainda faz sentido sonhar com o amor a dois. “Sempre é possível, mas a maioria das pessoas usa a traição como um contrato inconsciente. Cerca de 80% dos relacionamentos são mal sucedidos. Todo mundo parece estar infeliz. A igreja e a televisão mascaram o problema. Mas ainda assim o relacionamento a dois é possível a despeito do narcisismo, do individualismo, da competição. A solução é o diálogo. Aliás, o que separa a loucura da normalidade é exatamente isso, a comunicação. O tímido, por exemplo, não consegue se comunicar, seu relacionamento se torna algo problemático. Ele evita discutir as questões que o incomodam e, com isso, retira a chance de defesa do outro. Por outro lado, existem relações em que a discussão se torna uma espécie de combustível que alimenta o casal, as partes envolvidas se viciam no conflito. Mas quando há a ameaça de separação, ela não é aceita, porque a pessoa não quer parar. A nossa sociedade vive essa constante drogadição, uma overdose em todos os aspectos”.

Amor que dói

Muitas vezes é o sofrimento que organiza o cotidiano das pessoas. “O depressivo, por exemplo, escraviza as pessoas por meio de sua melancolia, que sempre inspira cuidados e atenção. A postura é cômoda por que assim ele não precisa lidar com suas perdas, sua fragilidade”. O mesmo aconteceria com o ódio. Ao alimentá-lo, a pessoa insatisfeita não precisa trabalhar os conflitos. Esse ódio é quase um delírio, um orgasmo. “O problema é que a cultura não aceita esse ódio, que jamais é assumido. Até que um dia a situação chega ao extremo, como ocorreu com a Suzane Richthofen [a jovem que ajudou a executar os pais]. Isso é muito frequente. A motivação, muitas vezes, não tem qualquer relação com o perfil socioeconômico, o problema é de outra ordem”.

A vingança retira o foco do que se está passando internamente para o traído. “Se o perdão está fora de questão, o que eu aconselho é por um fim nessa relação. Em 10% dos casos de infidelidade, a pessoa traída se vinga ou então culpa o outro eternamente. Até que um dia ela vai embora, porque não encontrou um meio de lidar com a situação. Mesmo as mulheres, que costumam relevar mais, acabam se tornando receosas, e mais tarde demonstram dificuldade de se envolver novamente. Quando resolvem levar o relacionamento adiante, ficam completamente diferentes. Ou elas apostam tudo na vingança, ou se dedicam apenas ao trabalho, investem tudo no sucesso profissional



                                        RELACIONAMENTO VIRTUAL

PSICOLOGADO/ ARTIGOS

     Fonte: https://psicologado.com/abordagens/psicanalise/relacionamento-virtual © Psicologado.com
                                                  
Resumo: O estudo deste artigo aborda o processo de comunicação e relacionamentosamorosos no ambiente virtual que hoje faz parte do cotidiano da sociedade, possibilitando maior interação entre as pessoas, uma vez que rompeu com o padrão presencial. Nessa pesquisa participaram quatro usuárias da Internet, que responderam a um questionário sobre suas opiniões e comportamentos relacionados à afetividade e relacionamento virtual. A amostra foi composta por mulheres adultas, solteiras, com e sem filhos, com níveis socioeconômico médio a alto. Para esse estudo, utilizou-se o método qualitativo onde foram realizadas entrevistas abertas, gravadas e posteriormente transcritas e analisadas conforme o método de Bardin, onde visou identificar quais as razões que levam as mulheres a estabelecer relacionamentos afetivos através de chats, comunidades, sites como Par Perfeito, Facebook, MSN e outros meios eletrônicos. Verificou-se que as participantes acreditam na possibilidade de relacionamentos virtuais duradouros, no entanto relataram necessidade de confiar para depois ter um contato face a face.

Palavras-Chave: Afetividade. Facebook. Internet. Relacionamento Virtual. Par Perfeito.
1. Introdução

A internet faz parte do cotidiano da sociedade, possibilitando maior interação entre as pessoas, uma vez que rompeu com o padrão presencial, no qual era imprescindível a presença dos indivíduos, sendo, deste modo, utilizada também como forma de difusão dos relacionamentos afetivos. É justamente por vivermos numa geração em transição entre um modelo onde a forma de conhecer pessoas era exclusivamente o físico, presencial e real para uma possibilidade de estabelecimentos de relacionamentos através do espaço virtual.

Considerando esses aspectos, esta pesquisa terá como finalidade identificar quais as razões que levam mulheres a estabelecer relacionamentos afetivos virtuais, via chats, comunidades, sites e outros meios eletrônicos, em detrimento do modo tradicional onde ocorre o contato presencial; analisar quais as consequências dos relacionamentos virtuais; além disso, verificar se a pessoa utiliza identidade real ao entrar em chats, sites e comunidades nas redes sociais; também avaliar como a socialização e a segurança/insegurança se manifesta nas usuárias das redes sociais; e analisar os efeitos que a solidão causa na vida cotidiana das mulheres que buscam os relacionamentos virtuais;

Dentro desse contexto percebe-se a grande importância de realizar um estudo científico sobre esse tema para que se desnudem as formas de comportamentos dessas relações e de como essas mulheres são afetadas por tais situações. Para que se completem tais análises percebe-se a importância do tema e dos poucos estudos acerca do assunto, faz-se imprescindível uma pesquisa para entendermos a procura cada vez maior por esse tipo de relacionamento.

Resumo: O estudo deste artigo aborda o processo de comunicação e relacionamentos amorosos no ambiente virtual que hoje faz parte do cotidiano da sociedade, possibilitando maior interação entre as pessoas, uma vez que rompeu com o padrão presencial. Nessa pesquisa participaram quatro usuárias da Internet, que responderam a um questionário sobre suas opiniões e comportamentos relacionados à afetividade e relacionamento virtual. A amostra foi composta por mulheres adultas, solteiras, com e sem filhos, com níveis socioeconômico médio a alto. Para esse estudo, utilizou-se o método qualitativo onde foram realizadas entrevistas abertas, gravadas e posteriormente transcritas e analisadas conforme o método de Bardin, onde visou identificar quais as razões que levam as mulheres a estabelecer relacionamentos afetivos através de chats, comunidades, sites como Par Perfeito, Facebook, MSN e outros meios eletrônicos. Verificou-se que as participantes acreditam na possibilidade de relacionamentos virtuais duradouros, no entanto relataram necessidade de confiar para depois ter um contato face a face.
Palavras-Chave: Afetividade. Facebook. Internet. Relacionamento Virtual. Par Perfeito.].

No que se refere aos relacionamentos virtuais, mesmo estando em um site em que se busca um relacionamento virtual, metade dos casos (50%) foram descritos como relacionamentos surgidos por algum interesse financeiro e nível cultural, e outros (50%) afirmaram que estavam no site apenas para flertar. Destas (25%) afirmam ter marcado vários encontros e mantido relações sexuais com parceiros da Internet.
Na maioria dos casos, (75%) relatam que já trouxeram seus parceiros ocasionais para dentro de suas casas, expressando que se preocupam com seus filhos, mas, que nunca deixaram que esse fator interferisse no encontro.
Quanto a problemas com o relacionamento social, a maioria (75%) respondeu possuir dificuldades de sair em festas noturnas, por serem tímidas, e achar na internet um meio mais fácil de se relacionar.
Nos sites e nas salas de bate-papo, utilizando-se apenas de um “nick” (apelido), (25%) das internautas afirmou ter uma identidade falsa podendo desaparecer a qualquer momento, sem a possibilidade de uma identificação com a realidade, já (50%) relata que apenas seus nomes e cidades não são verdadeiros.
Nesta pesquisa todas as participantes afirmam que o que buscam na internet além da renda mensal, seria por um sólido relacionamento afetivo.
Por meio da análise de conteúdo das entrevistas foram elaboradas cinco categorias. Quatro categorias a priori e uma a posteriori: perfil falso. No tema que investigou relacionamento virtual, suas consequências e principais motivações, foram formadas as seguintes categorias: motivações; risco e consequências; segurança e insegurança; solidão e perfil falso.
Na categoria motivações, as entrevistadas expressam as razões pelas quais elas utilizam a internet, buscando um relacionamento por questões financeiras, comodidade, estabilidade e segurança.
Para Prado (2004), ao entrar em sites de encontros onde as pessoas se cadastram, ele afirma que elas buscam alguém com perfil semelhante ao seu. Corroborando com o autor percebe-se que os sites de encontros como o Par Perfeito analisam e cruzam perfis de cada um dos inscritos e unem uns com os outros por afinidades.
Esse é um exemplo onde as internautas comentam que se dirigem diretamente àqueles que têm um perfil de afinidade com o seu, os mesmos interesses ou a mesma visão de mundo através dos tipos de planos, como por exemplo, o Plano Platinun [5] que se inscrevem para os pretendentes as observarem. Podem também escolher as pessoas por idade, sexo, profissão, religião, tipos de lazer preferido, musicas ou leituras prediletas, ou qualquer outro aspecto que consideram relevantes. Cada uma reagiu de maneira particular ante esse evento, conforme sua historia:
Eu acho que todo mundo procura uma coisa séria. [...] têm uns que me depositam, bah eles ouvem minha historia e tem grana eu acho que eles vêm minha situação e não vem problema de me ajuda e eles pedem meu numero da conta eu passo o numero, e eles depositam, eu já ganhei ó o E. já me deu 4 mil reais, o A. deposita direto pra minha filha que é pra faculdade dela né , ele deposita 2 mil reais por mês, e é assim... (PENÉLOPE CHARMOSA, 50).

[...] eu gosto de conversar, de falar, de viajar, eu não sou muito de festa, eu gosto de trocar idéias, falar de lugares que conhece e que eu ainda não conheço então pra mim nossa... [...] eu não tenho acesso a esses lugares assim sozinha então qual é o único jeito? Assim. Então, to em casa, não estou exposta de certa maneira e to conhecendo pessoas interessantes. (JULIETA, 42).
Um dos fatores mais salientados nas entrevistas foi o interesse pelo valor da remuneração dos “futuros” pretendentes, na fala das entrevistadas é possível observar:
[...] eu vou no site e eu procuro a renda mensal, porque tu coloca lá o perfil que tu qué, eu coloco assim: homens até 50 anos ai eu vou no salário que eles ganham, ai eu coloco tudo acima de 20 mil reais entendeu, 20 mil reais, 30 mil reais, menos que isso não, eu nasci pobre, chega né. (risos) (PENÉLOPE CHARMOSA, 50).

Existe a renda mensal. [...] o nível de escolaridade pra mim também é muito importante, ãh porque não é só, só o como se diz o dinheiro, é a cultura, como disse tem que ser uma pessoa mais, mais do que eu, por que se for uma pessoa menos que eu.... tem que se uma pessoa que me acrescente. Um valor mensal que pra gente, deduz que é uma pessoa que deu certo né que facilitaria muito a vida se dé, se dé a liga entre um homem e uma mulher seria mais de 20, 30 mil reais. (JULIETA, 42).
Indo em desencontro com o pensamento de Prado (2006), há um descompasso entre o que se procura e que se encontra. Há uma procura, pelo menos, consciente, de relações estáveis, baseadas na confiança, na fidelidade, no respeito. Partindo desse pensamento, percebe-se que as participantes procuram um certo tipo de comodismo, segurança e afetividade também, mas o que está mais evidente é o interesse em conseguir aproveitar a vida de uma forma diferente, não tendo mais a responsabilidade de trabalhar, de cumprir com as obrigações diárias, e sim viver como se fossem adolescentes apaixonadas, curtindo a vida com viagens, compras, e com uma ótima situação financeira.
Na categoria consequências, todas as participantes relatam que sabem que existe algum tipo de perigo, até porque não se pode ter certeza de quem de fato é a pessoa que está do outro lado do computador, mas que há um processo de investigação para não cair em armadilhas, e só depois de algum tempo em que adquirem confiança e muita conversa é que irão se conhecer pessoalmente. As pessoas, ao se mascararem, encobriram suas próprias identidades por outras que refletem seu desejo de ser algo fora dos limites sociais, culturais e econômicos (SAMPAIO, 2002). De acordo com as falas:
[...] uma pessoa que tem problema, ela uma hora ela vai caí uma hora a máscara cai. Porque tu não vai conhecer uma pessoa na internet se tu ta na dúvida, tu não vai conversar dois dias e vai se encontra com a pessoa, não, se leva tempo, uma pessoa quando ela já tem um transtorno mental ela não espera muito tempo pra se manifestar, eles dizem que eu tenho sorte, mas não é sorte, eu sei filtrar as informações. (PENÉLOPE CHARMOSA, 50).

[...] ãh eu acho assim, uma coisa que eu acho desde o começo é fácil online porque tu vai conhecer a pessoa primeiro por dentro e tu fala 1,2,3,4,5,6 vezes, é impossível uma pessoa sustentá uma máscara por tanto tempo sabe, então sem chance dele ta mentindo (JULIETA, 42).
Nessa fala entende-se que para Sampaio (2002), a internet é uma aventura, e muita gente está vendo nela, a única alternativa. Realmente, o encontro amoroso é uma das mais difíceis de conquistar na vida real, no dia a dia.
Corroborando com a ideia de Sampaio (2002) a internet é extremamente perigosa, porque é um campo fértil não só para a imaginação e a fantasia, mas também para a perversão. É uma aventura factível de enfrentar, desde que se tenha total consciência de que as pessoas vão usar seus escudos e disfarces. A internet joga as fantasias e interesses de uma mulher, que às vezes podem ser completamente diferentes do que aparentar ser.
Na categoria segurança/insegurança, pode se perceber que as participantes têm consciência de que existe algum tipo de risco, mas, nunca deixaram de se relacionar apontando que tomam todos os cuidados necessários antes de conhecer o indivíduo pessoalmente. De acordo com Prado (2002), elas conversam pela webcam, [6] vêem fotos da família e ligam diretamente na empresa ou no trabalho do indivíduo.
O processo de aproximação amorosa via internet estabelece de modo invertido em relação à maneira usual através da qual as pessoas aproximam-se para um relacionamento amoroso, primeiro há longas conversas, depois se vêem em fotos, mais tarde se escutam por telefone, e só então podem, ou não, chegar ao encontro pessoal. (PRADO, 2004).
Com base nesse trecho percebe-se que para Prado (2004), cada entrevistada se revela na medida do que cada uma esconde ou oculta de si mesma, ou é capaz de perceber no outro diante da tela, e nesse outro, o seu espelho. O fato é que a comunicação via internet possibilitou o encontro das entrevistadas que, de outra forma, elas jamais iriam conhecer seus pretendentes. Essas falas conduzem a um entendimento:
Ah, eu procuro saber da família, eu procuro vê na cam... ééé normalmente eu antes de encontrar com essa pessoa eu já conheço a família dela pela cam é eu, eu olho o cara e já me fala o nome completo e eu já investigo na internet eu jogo no Google, eu, eu analiso tudo, vejo se é verdade eu ligo na empresa, eu sou precavida entendeu? (PENÉLOPE CHARMOSA, 50).

Eu conversei 3 meses com esse que eu to agora e eu pesquisei. Ele me disse que tinha uma profissão e eu fui procurar e encontrei um mundo de, de coisa, com foto com tudo, com reportagem, falei pela web, pesquisei a família dele tudo, tudo, tudo. Só vai no escuro quem qué. E isso é a experiência que faz ser assim. E assim ó tu fala, falou 3 vezes eu já sei se dá ou não dá, tu já sabe se ta mentindo. (JULIETA, 42).

Converso muito com ele antes, ãh procuro vê-lo na webcam, ãh investigo a vida dele, eu procuro sabe de onde é essa pessoa, como vive essa pessoa pra depois pode conhecer ele pessoalmente, ah e a família também eu investigo, mas o risco a gente sempre corre...(MORANGUINHO, 33).

Eu procuro sempre olha todas as redes sociais dessa pessoa, falo pela cam, procuro conhecer a família pela cam também, ah eu procuro saber tudo, tudo mesmo [...] (POCAHONTAS, 22).
Partindo da ideia de Prado (2002) que a forma da qual se conhecem, tudo pode acabar mal, porém, se na hora do encontro, suas perspectivas não forem atendidas, talvez a pessoa não seja tão bonita como aparentava ser na foto, ou não usa roupas muito bacanas, ou tem mau hálito ou ainda a voz é estridente, irritante ou mesmo de uma “taquara rachada.”
Considerando esse ponto de vista, um relacionamento que parecia ser perfeito no virtual se torna inviável no âmbito real por aspectos simples que poderiam ter sido descobertos antes, se o relacionamento tivesse começado numa festa ao invés de ter dado início numa sala de bate-papo virtual. Pior ainda, é quando a pessoa não é nada daquilo que diz ser. É nesse ponto que entra a frase todo cuidado é pouco, pois existem muitas pessoas inexperientes se envolvendo cada dia mais nesse mundo virtual.
Na categoria solidão, nota-se que as participantes encontraram na internet um meio de fuga da realidade, tentando buscar um divertimento, um consolo, uma forma de aliviar suas carências afetivas, e esse meio encontrado lhes trouxe uma esperança de poder conhecer, construir e estabelecer novas amizades e conseqüentemente um relacionamento amoroso, também pelo fato de sentirem uma maior facilidade em paquerar virtualmente do que pessoalmente.
A internet é um instrumento excelente para as pessoas saudáveis, especialmente nas grandes cidades, pois elas trocam correspondências e cultivam amizades. O grande problema é a dependência que as pessoas criam sobre o conteúdo existente no computador. São pessoas frustradas, sozinhas e mal resolvidas amorosamente onde buscam algo novo todo dia (SAMPAIO, 2002),
Corroborando com a idéia de Sampaio (2002), a internet é nova, mas a solidão e o desejo de preenchê-la são tão antigos quanto o ser humano. Enquanto trocam-se e-mails também são compartilhadas mil emoções, pensamentos, sentimentos e fantasias. Quando existe alguém que as interessa, não há alegria maior do que ver a caixa postal cheias de mensagens do pretendente.
[...] tu não tem noção do que é a solidão numa cidade grande, eles sentem necessidade de ter alguém pra conversar, a maioria dos caras que eu converso sentem solidão então eles se apegam numa pessoa que dá carinho. [...] e eu sentia uma solidão uma solidão dentro de casa hãã pensei que ia morre. (PENÉLOPE CHARMOSA, 50).

Muitas vezes a solidão, muitas vezes em casa sem ãh, uma fuga, uma fuga da realidade. (MORANGUINHO, 33).
Essas falas conduzem a um entendimento que com certeza existe algo que não mudou para o ser humano nessa vida real: a busca mais ou menos criativa de saídas diante do apelo à solidão, o preenchimento do que nos falta.
O que assusta as pessoas trancadas, isoladas e fechadas não é a internet, é a realidade, o perigo de sair em festas e voltar para casa de madrugada, o medo de se relacionar com as pessoas reais [...] (SAIÃO, 2003).
Portanto, não é difícil perceber que, o surgimento da internet veio abrir novas e interessantes possibilidades de comunicação entre as usuárias, no conforto dos seus quartos ou no seu estabelecimento de trabalho, elas podem comunicar-se com “segurança”, e se sentindo solitária a comunicação virtual tornou-se muito mais atrativa.
Na categoria perfil falso, ocorre à construção de uma realidade de segunda ordem, uma realidade de simulação, que nos reporta a um mundo fantasioso, que é um mundo simbólico, imaterial, uma forma inusitada de estabelecer um vínculo social. Neste mundo, as entrevistadas muitas vezes fogem do seu cotidiano, comunicando-se com um “outro” sem rosto, sem identidade, que não exige compromisso, bastando clicar um botão para interromper a comunicação. Também existe o contato pelo celular onde uma das entrevistadas relata ter mais de oitenta contatos, todos adquiridos no site Par Perfeito, como se pode observar::
Ah é evidente que não vou pôr meu nome no site né, mas as fotos são minhas, são fotos atuais, eu não passo meu nome, mas do meu numero de celular [...] o celular a gente da pra quem a gente qué, então tudo é real, só meu nome e a cidade que eu moro que não é real, eu não coloco que eu moro aqui, eu coloco que eu moro em São Paulo, sabe por quê? Porque é São Paulo que tem gente da grana, do dólar, que tem poderrr.. (PENÉLOPE CHARMOSA, 50).

Ah sim, eu nunca coloco meu nome verdadeiro, até por segurança né, e a cidade eu coloco Florianópolis, porque eles mostram mais interesse quando a cidade é maior, é capital sei lá, mas eu coloco minha idade real porque eu procurava um cara com a idade mais ou menos igual a minha... (JULIETA, 42).
Essa fala conduz ao entendimento de que o anonimato tem um efeito desinibidor para as entrevistadas, pois oferece muitas opções para elas expressarem suas necessidades e emoções. É como se as mesmas pudessem se apresentar com os mais variados trajes virtuais, com as mais diversas e interessantes identidades.
Eu nunca entro com o meu nome, nunca entrei como eu mesma. Eu digo que sou eu, só se eu confiar muuiiitoo na pessoa, e como eu tenho o meu nome fictício, as pessoas também tem uns nomes bizarros, e tendo nome bizarro esquece, porque tu sabe que aquele cara ou é casado, tem algum relacionamento fora ou ta só querendo sacanagem... (MORANGUINHO, 33).
Para Serra (2006), essa possibilidade de anonimato por meio dos fakes, [7] e a questão da identidade pessoal nas comunicações mediadas por computador foram pensadas desde o início como uma forma de oposição entre a autenticidade e a simulação “[...] entre dizer-se o que se é e ser-se o que se diz, e dizer-se o que se não é e ser-se o que se não diz.” (SERRA, 2006). Para muitas pessoas, segundo o mesmo autor, a simulação é a solução para os problemas de identidade. Ainda segundo Serra (2006), o virtual não é propriamente um espaço e um tempo de simulação, mas de maior autenticidade conforme permite ao indivíduo a revelação e libertação de todos os preconceitos e repressões, ocorrendo, assim, uma libertação das identidades.
Corroborando com a ideia de Serra (2006), as internautas podem fraudar dados pessoais como estado civil, raça, profissão, idade, tipo físico. Quanto à personalidade, pode demonstrar no espaço virtual características diferentes do seu comportamento social real. Dessa forma, nos relacionamentos a distância por intermédio das redes sociais, mesmo que possivelmente alguma das entrevistadas esteja triste, pode simular felicidade somente de aparência, e os demais usuários dessa rede não têm com

Procurou-se com este artigo investigar o relacionamento virtual, suas principais motivações, suas conseqüências e as novas formas de interação interpessoais que se tornaram possíveis com o surgimento da internet.
Arranjar um namorado virtual está se tornando uma situação cada vez mais comum, mulheres das mais variadas idades se rendem às facilidades do computador para encontrar sua alma gêmea no outro lado da tela.
Entretanto, da mesma forma como é fácil encontrar uma pessoa bacana que lhes proporcionem comodidade, estabilidade, segurança e uma boa situação financeira, também corre-se o risco de cair em certas armadilhas.
Entende-se que estes fatores como a curiosidade, facilidade em obter contatos e a rapidez na comunicação atraem e surpreendem as pessoas, na maior parte das vezes positivamente, aumentando a probabilidade de tornar-se dependente dessa máquina cada vez mais humana, onde encontram na internet uma forma de aliviar suas carências afetivas, um consolo, ou seja, elas expressam suas necessidades e emoções numa fuga da realidade, uma realidade de simulação, que as reporta a um mundo fantasioso, um mundo simbólico, imaterial, uma forma inusitada de estabelecer um vínculo social.
As mulheres que se inserem no “Par Perfeito, MSN e Facebook”, para buscar relacionamentos amorosos virtuais, fazem de maneira similar a um relacionamento amoroso não virtual; ou seja, inicialmente buscam “flertar”, conhecendo o companheiro de maneira mais superficial, e posteriormente, se essas pessoas despertarem algo mais, tenta-se conhecê-las no âmbito da realidade. As relações virtuais constituem uma nova forma de relacionamento que partem da descoberta de afinidades, ao contrário do enamoramento tradicional em geral que parte do olhar e do contato físico.
Dessa maneira, a comunicação a distância surgiu para facilitar os relacionamentos das pessoas, mas jamais uma forma de comunicação substituirá a outra, em razão de que ambas possuem limitações e relevâncias para os relacionamentos interpessoais.

Fonte: https://psicologado.com/abordagens/psicanalise/relacionamento-virtual © Psicologado.com

Segundo Rosa (2001), a internet é entendida como um grupo de conexões de computadores representado pelo World Wide Web (www) e as áreas afins, surgiu de maneira abrupta e tomou conta das práticas cotidianas, gerando perplexidades, inclusive no âmbito jurídico, principalmente vinculadas à segurança, privacidade, comércio, criminalidade e direito de família (relacionamentos afetivos virtuais).

A natureza particular da internet é que, pela primeira vez na história o ser humano, cada leitor ou espectador não tem que contentar-se com uma participação passiva. Ele, ou ela, pode intervir pessoalmente, agir ou participar ativamente da criação do conteúdo de um meio de comunicação com o alcance de milhões de outras pessoas, e tudo isso em tempo real (ROSA, 2001).

Guimarães (2000) ressalta que são muitas as causas que motivam os relacionamentos virtuais. Uns navegam na internet para atender a uma necessidade natural de conhecer pessoas, para brincar, para fazer descobertas, repetindo o que acontecia antigamente nos relacionamentos por carta, que se iniciavam por uma amizade sem compromisso. Outros usam os relacionamentos virtuais para vencer a solidão, para vencer o tédio do cotidiano, para preencher carências afetivas. Enquanto uns buscam relacionamentos virtuais para fugir da relação pouco gratificantes que vivem na realidade, outros também usam a sedução exercida no espaço virtual para melhorar a relação com seus parceiros reais.
Segundo Schelp (2009) o “Orkut, twitter, e Facebook, entre outros ambientes, não aplacam a solidão”

, pois diminuem o círculo de amigos próximos enquanto contatos virtuais aumentam ostensivamente. Ainda Schelp (2009) diz que a internet tornou-se um vasto ponto de encontro de contatos superficiais.
Cumpre mencionar que há duas formas de comunicação “online”. A primeira é denominada síncrona, pela qual os usuários estão conectados ao mesmo tempo e conversam em tempo real, aqui destacam-se as salas de bate-papo dos “sites” de relacionamentos e programas como o MSN (Messenger); e a segunda é conhecida como assíncrona, a qual não é realizada em tempo real, sendo mediada pelo uso de e-mails e dos “sites” de comunidades “online” ou virtuais, como o Orkut, Facebook, etc., (CAMPOS, 2009).

Com a internet permite-se a interatividade absoluta com a utilização de vídeo, câmera digital, tela interativa, celulares, entre outros, possibilitando que as pessoas rompam limites entre o real e o imaginário.
Schelp (2009) relata que na internet é fácil administrar uma enorme rede de contatos, com pessoas pouco conhecidas, porque estão todos ao alcance de um clique. A lista de amigos virtuais é uma espécie de agenda de telefones, com a vantagem de não ser necessário ligar para todos [...].
De acordo com Schelp (2009), em nenhum outro país as redes sociais on line têm alcance tão grande quanto no Brasil, com uma audiência mensal de 29 milhões de pessoas.

Segundo Guimarães (2002), o medo da violência fez com que a socialização ficasse cada vez mais difícil. Dessa forma, para suprir essa necessidade de contato intelectual, social e afetivo, algumas pessoas, que hoje são milhões, foram aderindo a essa nova maneira de se comunicar, de fazer novas amizades: os “chats” de conversação.
Freud (1920/1987) ao definir o ego como sendo a instância resultante de inúmeras identificações, formada na sua maior parte por aspectos inconscientes, relativiza a noção de unidade, de coerência deste pólo da personalidade.

O sonho diurno, ou devaneio, que Freud (1908/1987) denominou, com tanta propriedade, de fantasia pode ser um conceito de extrema relevância para pensar as relações virtuais, estabelecidas entre os habitantes do ciberespaço, nos chats de conversação. Nestas relações não presentificadas e, portanto, anônimas, a adoção de um pseudônimo ou mesmo a construção de um ou mais personagens para se comunicar com os outros são frequentes (FREUD, 1987 Apud LANZARIN, 2000).

Já que o homem está cada vez mais em casa, o uso dos “chats” de conversação permite uma relação de interação com o mundo, não apenas como troca de ideias, mas também como uma nova forma de conhecer pessoas, o que pode vir a ampliar o número de relacionamentos pessoais. Os sites de relacionamento ajudam o “internauta” a resolver questões sexuais e sentimentais. Os bate papos fazem com que o contato afetivo seja bem facilitado, principalmente para pessoas inseguras ou com problemas de socialização (DELA COLETA 2008, apud GUIMARÃES, 2002).

A realidade das relações virtuais abrange um amplo aspecto de possibilidades de relações que vai desde a normalidade à patologia, dependendo do uso que cada indivíduo faça desta relação, seja um uso narcísico (que pode ser apenas um prolongamento de seu mundo interno), seja um uso perverso ou uma forma de se evadir da realidade externa ou interna, conforme a subjetividade inerente a cada ser humano (GUIMARÃES, 2000).

De acordo com Dela Coleta (2008), o relacionamento virtual pode, ou não, materializar-se na realidade, concretizando as relações iniciadas no ciberespaço. Os conflitos, as mentiras, os problemas e as decepções quando da relação materializada são de caráter subjetivo, dependendo do usuário e da maneira como ele lida e convive no ciberespaço. O usuário é responsável por suas ações e atitudes na esfera do virtual e posteriormente na realidade.

Para Abreu (2008), alguns estudiosos concluíram que o transtorno pela internet ou o uso problemático da internet, poderia acometer qualquer pessoa, em qualquer idade, nível socioeconômico e educacional e destaca o Brasil como importante alvo [...]. Essas pessoas apresentariam características peculiares como insegurança, introversão, fantasia acentuada, dispersividade de atenção, baixa tolerância a frustração, baixa auto estima, ansiedade social, impulsividade e dificuldades de estabelecer relacionamentos cara a cara (DELA COLETA, 2008). Petlik Fischer, Maria Alice Fontes

3. Definindo o Relacionamento Virtual

Os relacionamentos virtuais romperam o padrão social dos relacionamentos presenciais, sendo motivados por muitas causas, frise-se que algumas pessoas utilizam a internet para atender a necessidade natural de conhecer pessoas, para fazer descobertas, como um relacionamento que se inicia por uma amizade sem compromisso; outras navegam na internet para afastar a solidão, o tédio do dia a dia, preenchendo, desta forma, carências afetivas (CAMPOS, 2009).
Nos sites de relacionamento, os usuários teriam a disposição, uma ferramenta que minimizaria as dificuldades próprias de relacionamento social. Nesse espaço virtual, o internauta poderia escolher temas que viessem a lhe interessar, como: amizade, sexo virtual, namoro, etc. (DELA COLETA, 2008).

Mais de 60% das pessoas que navegam na internet acabam procurando por temas sexuais. São imagens, filmes, chats e salas de bate papo que permitem despertar boa dose de erotismo e, entre esse sexo adicto, são comuns aqueles que têm condutas masturbatórias diante dos sites eróticos ou chats que veiculam o chamado sexo virtual (BALLONE e MOURA, 2003).

Schelp (2009) relata que alguns sociólogos, psicólogos e antropólogos concluíram que essa forma de comunicação e relação não consegue suprir as necessidades afetivas mais profundas dos indivíduos.
Segundo Ballone e Moura (2003), a internet enfraquece os protocolos e condicionamentos culturais que habitualmente pesam sobre os vínculos sociais. Muitas vezes é exatamente isso que deseja o internauta tímido ou ansioso social. As diferenças individuais e sócio-culturais que alimentam a fobia e o medo do contato interpessoal direto e real diminuem e recebem aceitação maior na internet.

Quando um usuário mantém uma relação interpessoal através da internet, por meio de quaisquer de seus recursos, está participando neste espaço social através de uma relação que conserva os mesmos objetivos das relações interpessoais com presença concreta, assim, a internet surge como um veículo que pode propiciar o estabelecimento de vínculos interpessoais duradouros e profundos (SALAZAR, 2000 Apud BALLONE e MOURA, 2003).

De acordo com Farah e Fortim (2007) a rede social Facebook é considerada uma das principais causas de divórcio entre os americanos atualmente, segundo pesquisa da empresa de antivírus Norton. Na mesma medida, sites destinados a pessoas interessadas em um relacionamento amoroso ganham cada vez mais adeptos: cerca de 5% dos recém-casados americanos se conheceram pelo site de relacionamentos eHarmony, que tem mais de 33 milhões de inscritos espalhados por 191 países. Pagando um valor mensal, o usuário tem acesso a um “sistema de compatibilidade” que sugere pretendentes com gostos, valores e crenças similares aos seus. Em um clique, é possível ver fotografias de uma pessoa, saber algumas de suas preferências e convidá-la para uma conversa uma forma de conhecer e flertar que tem se tornado cada vez mais comum. Segundo pesquisa do Oxford Internet Institute divulgada em 2011, o número de usuários desse tipo de serviço aumentou 500% em todo o mundo nos últimos dez anos. Entre os brasileiros solteiros que têm acesso à rede, 65% já visitaram essas páginas.

Muitas pessoas buscam os sites por serem tímidas, por fantasia, curiosidade ou por terem sofrido alguma decepção e estarem com medo de se relacionar novamente e para isso não há uma regra. A pessoa por traz do computador cria uma falsa segurança de que está fora de risco de se decepcionar com o outro. É uma expectativa fora do real porque todo relacionamento tem pontos positivos e negativos. O namoro virtual permite o convívio com uma pessoa sem dividir os problemas e dificuldades de um casal real.

4. As Fases/Estágios do Relacionamento Virtual
Com propriedade Rosa (2001), aborda as 04 estágios/fases mais verificáveis nos relacionamentos virtuais demonstradas a seguir:

1ª Fase: Chats ou sites de relacionamentos pessoais
A motivação interna vai desde a curiosidade até a ausência afetivo-sentimental. Nessas ocasiões acontece (via de regra) o primeiro contato motivado por qualquer razão ou pretexto; um nickname (apelido) que agrada um nome, um filme, uma música, as motivações são inexplicáveis/aleatórias. Nos chats após o primeiro contato normalmente se passa para o “reservado” e a conversa flui naturalmente (ROSA, 2001).

2ª Fase: E-mail, dentre outros
Depois de estabelecido o primeiro contato, passa-se a etapa um pouco mais pessoal, estabelecida ainda sobre a regra de não ser muito específico nas informações, no qual as pessoas traçam impressões pessoais sobre os assuntos, se conhecem melhor, buscam saber mais de si e do outro. Em suma nessa fase/etapa, busca-se conhecer com as limitações próprias o outro, demonstrando aquilo que se é ou se quer ser. Em outra face, que nem todos querem contatos físicos. Muitos querem apenas uma fuga da realidade, sem necessariamente pretender consumar algo físico-sexual (ROSA, 2001).
3ª Fase: Contato Pessoal

A terceira etapa se constitui na apresentação real, por meio de encontros. Normalmente isso acontece depois de muita conversa e interação entre os parceiros virtuais. Entretanto, existem aqueles que entram em chats de encontros ou de sexo buscando apenas relacionamentos efêmeros, sem querer saber quem é a pessoa. Com efeito, avançando-se para o contato pessoal desnudando-se do véu virtual, derrubando-se o Muro Virtual de Berlin, abrem-se as possibilidades de interação pessoal (ROSA, 2001). O contato pode migrar para um namoro, amizade ou casamento (BARTHES, 2000 Apud ROSA, 2001).

4ª Fase: Passagem para o Contato Físico
Nessa etapa a distância do virtual e do real é superada e os amantes se entregam, finalmente, ao seu prazer físico. Buscado, mas não querido, no paradoxo eterno dos relacionamentos afetivos. (ROSA, 2001).
Barthes, (2000 apud ROSA 2001) descreve com precisão o encontro: “A figura se refere ao tempo feliz que se seguiu imediatamente ao primeiro rapto, antes que nascessem as dificuldades do relacionamento amoroso”.
De acordo com Rosa (2001), as características passam a ser de um adultério ou namoro verificado no contexto diário. Com o seu nascedouro vinculado a internet. Aqui surgem paixões, decepções, romances duradouros, encontros efêmeros, toda a gama de possibilidades dos relacionamentos afetivos.
5. Método

A presente pesquisa investigou o relacionamento virtual, suas principais motivações; consequências; segurança e insegurança; solidão e perfil falso. Portanto a pesquisa qualitativa mostrou-se mais apropriada para atender os objetivos deste estudo. “A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, [...] trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes [...]” (MINAYO, 2008 p.21).

Participaram da pesquisa quatro mulheres que foram selecionadas pelos seguintes critérios: mulheres solteiras que fazem uso da internet, sites de relacionamentos e a visão que cada uma tem do mesmo. As mulheres selecionadas para colaborar com a pesquisa foram contatadas pessoalmente e convidadas a participar. As entrevistas foram realizadas mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com as devidas orientações. O sigilo da identidade das participantes foi garantido, prevenindo quaisquer riscos para as mesmas. As entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas, sem qualquer alteração do conteúdo original. A análise dos dados seguiu todos os procedimentos éticos, onde foi utilizada a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2000). Esta se define como um conjunto de técnicas de análise das comunicações pretendendo obter, por processos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.

6. Apresentação e Discussão dos Resultados
Com relação aos dados pessoais das participantes usuárias de internet, a pesquisa mostra que 100% são solteiras e uma não possui filhos. Possuem idade entre 20 a 50 anos, essa faixa etária é um indicativo pela busca de relacionamentos interpessoais mostrando um maior interesse por salas de bate papos, MSN [1] e sites[2] como Par Perfeito [3] e Facebook[4].
No que se refere aos relacionamentos virtuais, mesmo estando em um site em que se busca um relacionamento virtual, metade dos casos (50%) foram descritos como relacionamentos surgidos por algum interesse financeiro e nível cultural, e outros (50%) afirmaram que estavam no site apenas para flertar. Destas (25%) afirmam ter marcado vários encontros e mantido relações sexuais com parceiros da Internet.
Na maioria dos casos, (75%) relatam que já trouxeram seus parceiros ocasionais para dentro de suas casas, expressando que se preocupam com seus filhos, mas, que nunca deixaram que esse fator interferisse no encontro.
Quanto a problemas com o relacionamento social, a maioria (75%) respondeu possuir dificuldades de sair em festas noturnas, por serem tímidas, e achar na internet um meio mais fácil de se relacionar.
Nos sites e nas salas de bate-papo, utilizando-se apenas de um “nick” (apelido), (25%) das internautas afirmou ter uma identidade falsa podendo desaparecer a qualquer momento, sem a possibilidade de uma identificação com a realidade, já (50%) relata que apenas seus nomes e cidades não são verdadeiros.

Nesta pesquisa todas as participantes afirmam que o que buscam na internet além da renda mensal, seria por um sólido relacionamento afetivo.

Por meio da análise de conteúdo das entrevistas foram elaboradas cinco categorias. Quatro categorias a priori e uma a posteriori: perfil falso. No tema que investigou relacionamento virtual, suas consequências e principais motivações, foram formadas as seguintes categorias: motivações; risco e consequências; segurança e insegurança; solidão e perfil falso.
Na categoria motivações, as entrevistadas expressam as razões pelas quais elas utilizam a internet, buscando um relacionamento por questões financeiras, comodidade, estabilidade e segurança.
Para Prado (2004), ao entrar em sites de encontros onde as pessoas se cadastram, ele afirma que elas buscam alguém com perfil semelhante ao seu. Corroborando com o autor percebe-se que os sites de encontros como o Par Perfeito analisam e cruzam perfis de cada um dos inscritos e unem uns com os outros por afinidades.

Esse é um exemplo onde as internautas comentam que se dirigem diretamente àqueles que têm um perfil de afinidade com o seu, os mesmos interesses ou a mesma visão de mundo através dos tipos de planos, como por exemplo, o Plano Platinun [5] que se inscrevem para os pretendentes as observarem. Podem também escolher as pessoas por idade, sexo, profissão, religião, tipos de lazer preferido, musicas ou leituras prediletas, ou qualquer outro aspecto que consideram relevantes. Cada uma reagiu de maneira particular ante esse evento, conforme sua historia:

Eu acho que todo mundo procura uma coisa séria. [...] têm uns que me depositam, bah eles ouvem minha historia e tem grana eu acho que eles vêm minha situação e não vem problema de me ajuda e eles pedem meu numero da conta eu passo o numero, e eles depositam, eu já ganhei ó o E. já me deu 4 mil reais, o A. deposita direto pra minha filha que é pra faculdade dela né , ele deposita 2 mil reais por mês, e é assim... (PENÉLOPE CHARMOSA, 50). 

[...] eu gosto de conversar, de falar, de viajar, eu não sou muito de festa, eu gosto de trocar idéias, falar de lugares que conhece e que eu ainda não conheço então pra mim nossa... [...] eu não tenho acesso a esses lugares assim sozinha então qual é o único jeito? Assim. Então, to em casa, não estou exposta de certa maneira e to conhecendo pessoas interessantes. (JULIETA, 42).Um dos fatores mais salientados nas entrevistas foi o interesse pelo valor da remuneração dos “futuros” pretendentes, na fala das entrevistadas é possível observar:

[...] eu vou no site e eu procuro a renda mensal, porque tu coloca lá o perfil que tu qué, eu coloco assim: homens até 50 anos ai eu vou no salário que eles ganham, ai eu coloco tudo acima de 20 mil reais entendeu, 20 mil reais, 30 mil reais, menos que isso não, eu nasci pobre, chega né. (risos) (PENÉLOPE CHARMOSA, 50). 

Existe a renda mensal. [...] o nível de escolaridade pra mim também é muito importante, ãh porque não é só, só o como se diz o dinheiro, é a cultura, como disse tem que ser uma pessoa mais, mais do que eu, por que se for uma pessoa menos que eu.... tem que se uma pessoa que me acrescente. Um valor mensal que pra gente, deduz que é uma pessoa que deu certo né que facilitaria muito a vida se dé, se dé a liga entre um homem e uma mulher seria mais de 20, 30 mil reais. (JULIETA, 42).

Indo em desencontro com o pensamento de Prado (2006), há um descompasso entre o que se procura e que se encontra. Há uma procura, pelo menos, consciente, de relações estáveis, baseadas na confiança, na fidelidade, no respeito. Partindo desse pensamento, percebe-se que as participantes procuram um certo tipo de comodismo, segurança e afetividade também, mas o que está mais evidente é o interesse em conseguir aproveitar a vida de uma forma diferente, não tendo mais a responsabilidade de trabalhar, de cumprir com as obrigações diárias, e sim viver como se fossem adolescentes apaixonadas, curtindo a vida com viagens, compras, e com uma ótima situação financeira.
Na categoria consequências, todas as participantes relatam que sabem que existe algum tipo de perigo, até porque não se pode ter certeza de quem de fato é a pessoa que está do outro lado do computador, mas que há um processo de investigação para não cair em armadilhas, e só depois de algum tempo em que adquirem confiança e muita conversa é que irão se conhecer pessoalmente. As pessoas, ao se mascararem, encobriram suas próprias identidades por outras que refletem seu desejo de ser algo fora dos limites sociais, culturais e econômicos (SAMPAIO, 2002). De acordo com as falas:

[...] uma pessoa que tem problema, ela uma hora ela vai caí uma hora a máscara cai. Porque tu não vai conhecer uma pessoa na internet se tu ta na dúvida, tu não vai conversar dois dias e vai se encontra com a pessoa, não, se leva tempo, uma pessoa quando ela já tem um transtorno mental ela não espera muito tempo pra se manifestar, eles dizem que eu tenho sorte, mas não é sorte, eu sei filtrar as informações. (PENÉLOPE CHARMOSA, 50). 

[...] ãh eu acho assim, uma coisa que eu acho desde o começo é fácil online porque tu vai conhecer a pessoa primeiro por dentro e tu fala 1,2,3,4,5,6 vezes, é impossível uma pessoa sustentá uma máscara por tanto tempo sabe, então sem chance dele ta mentindo (JULIETA, 42).

Nessa fala entende-se que para Sampaio (2002), a internet é uma aventura, e muita gente está vendo nela, a única alternativa. Realmente, o encontro amoroso é uma das mais difíceis de conquistar na vida real, no dia a dia.
Corroborando com a ideia de Sampaio (2002) a internet é extremamente perigosa, porque é um campo fértil não só para a imaginação e a fantasia, mas também para a perversão. É uma aventura factível de enfrentar, desde que se tenha total consciência de que as pessoas vão usar seus escudos e disfarces. A internet joga as fantasias e interesses de uma mulher, que às vezes podem ser completamente diferentes do que aparentar ser.
Na categoria segurança/insegurança, pode se perceber que as participantes têm consciência de que existe algum tipo de risco, mas, nunca deixaram de se relacionar apontando que tomam todos os cuidados necessários antes de conhecer o indivíduo pessoalmente. De acordo com Prado (2002), elas conversam pela webcam, [6] vêem fotos da família e ligam diretamente na empresa ou no trabalho do indivíduo.
O processo de aproximação amorosa via internet estabelece de modo invertido em relação à maneira usual através da qual as pessoas aproximam-se para um relacionamento amoroso, primeiro há longas conversas, depois se vêem em fotos, mais tarde se escutam por telefone, e só então podem, ou não, chegar ao encontro pessoal. (PRADO, 2004).
Com base nesse trecho percebe-se que para Prado (2004), cada entrevistada se revela na medida do que cada uma esconde ou oculta de si mesma, ou é capaz de perceber no outro diante da tela, e nesse outro, o seu espelho. O fato é que a comunicação via internet possibilitou o encontro das entrevistadas que, de outra forma, elas jamais iriam conhecer seus pretendentes. Essas falas conduzem a um entendimento:

Ah, eu procuro saber da família, eu procuro vê na cam... ééé normalmente eu antes de encontrar com essa pessoa eu já conheço a família dela pela cam é eu, eu olho o cara e já me fala o nome completo e eu já investigo na internet eu jogo no Google, eu, eu analiso tudo, vejo se é verdade eu ligo na empresa, eu sou precavida entendeu? (PENÉLOPE CHARMOSA, 50). 

Eu conversei 3 meses com esse que eu to agora e eu pesquisei. Ele me disse que tinha uma profissão e eu fui procurar e encontrei um mundo de, de coisa, com foto com tudo, com reportagem, falei pela web, pesquisei a família dele tudo, tudo, tudo. Só vai no escuro quem qué. E isso é a experiência que faz ser assim. E assim ó tu fala, falou 3 vezes eu já sei se dá ou não dá, tu já sabe se ta mentindo. (JULIETA, 42). 

Converso muito com ele antes, ãh procuro vê-lo na webcam, ãh investigo a vida dele, eu procuro sabe de onde é essa pessoa, como vive essa pessoa pra depois pode conhecer ele pessoalmente, ah e a família também eu investigo, mas o risco a gente sempre corre...(MORANGUINHO, 33).

Eu procuro sempre olha todas as redes sociais dessa pessoa, falo pela cam, procuro conhecer a família pela cam também, ah eu procuro saber tudo, tudo mesmo [...] (POCAHONTAS, 22).



Partindo da ideia de Prado (2002) que a forma da qual se conhecem, tudo pode acabar mal, porém, se na hora do encontro, suas perspectivas não forem atendidas, talvez a pessoa não seja tão bonita como aparentava ser na foto, ou não usa roupas muito bacanas, ou tem mau hálito ou ainda a voz é estridente, irritante ou mesmo de uma “taquara rachada.”
Considerando esse ponto de vista, um relacionamento que parecia ser perfeito no virtual se torna inviável no âmbito real por aspectos simples que poderiam ter sido descobertos antes, se o relacionamento tivesse começado numa festa ao invés de ter dado início numa sala de bate-papo virtual. Pior ainda, é quando a pessoa não é nada daquilo que diz ser. É nesse ponto que entra a frase todo cuidado é pouco, pois existem muitas pessoas inexperientes se envolvendo cada dia mais nesse mundo virtual.
Na categoria solidão, nota-se que as participantes encontraram na internet um meio de fuga da realidade, tentando buscar um divertimento, um consolo, uma forma de aliviar suas carências afetivas, e esse meio encontrado lhes trouxe uma esperança de poder conhecer, construir e estabelecer novas amizades e conseqüentemente um relacionamento amoroso, também pelo fato de sentirem uma maior facilidade em paquerar virtualmente do que pessoalmente.
A internet é um instrumento excelente para as pessoas saudáveis, especialmente nas grandes cidades, pois elas trocam correspondências e cultivam amizades. O grande problema é a dependência que as pessoas criam sobre o conteúdo existente no computador. São pessoas frustradas, sozinhas e mal resolvidas amorosamente onde buscam algo novo todo dia (SAMPAIO, 2002),
Corroborando com a idéia de Sampaio (2002), a internet é nova, mas a solidão e o desejo de preenchê-la são tão antigos quanto o ser humano. Enquanto trocam-se e-mails também são compartilhadas mil emoções, pensamentos, sentimentos e fantasias. Quando existe alguém que as interessa, não há alegria maior do que ver a caixa postal cheias de mensagens do pretendente.
[...] tu não tem noção do que é a solidão numa cidade grande, eles sentem necessidade de ter alguém pra conversar, a maioria dos caras que eu converso sentem solidão então eles se apegam numa pessoa que dá carinho. [...] e eu sentia uma solidão uma solidão dentro de casa hãã pensei que ia morre. (PENÉLOPE CHARMOSA, 50).

Muitas vezes a solidão, muitas vezes em casa sem ãh, uma fuga, uma fuga da realidade. (MORANGUINHO, 33).

Essas falas conduzem a um entendimento que com certeza existe algo que não mudou para o ser humano nessa vida real: a busca mais ou menos criativa de saídas diante do apelo à solidão, o preenchimento do que nos falta.
O que assusta as pessoas trancadas, isoladas e fechadas não é a internet, é a realidade, o perigo de sair em festas e voltar para casa de madrugada, o medo de se relacionar com as pessoas reais [...] (SAIÃO, 2003).
Portanto, não é difícil perceber que, o surgimento da internet veio abrir novas e interessantes possibilidades de comunicação entre as usuárias, no conforto dos seus quartos ou no seu estabelecimento de trabalho, elas podem comunicar-se com “segurança”, e se sentindo solitária a comunicação virtual tornou-se muito mais atrativa.
Na categoria perfil falso, ocorre à construção de uma realidade de segunda ordem, uma realidade de simulação, que nos reporta a um mundo fantasioso, que é um mundo simbólico, imaterial, uma forma inusitada de estabelecer um vínculo social. Neste mundo, as entrevistadas muitas vezes fogem do seu cotidiano, comunicando-se com um “outro” sem rosto, sem identidade, que não exige compromisso, bastando clicar um botão para interromper a comunicação. Também existe o contato pelo celular onde uma das entrevistadas relata ter mais de oitenta contatos, todos adquiridos no site Par Perfeito, como se pode observar::
Ah é evidente que não vou pôr meu nome no site né, mas as fotos são minhas, são fotos atuais, eu não passo meu nome, mas do meu numero de celular [...] o celular a gente da pra quem a gente qué, então tudo é real, só meu nome e a cidade que eu moro que não é real, eu não coloco que eu moro aqui, eu coloco que eu moro em São Paulo, sabe por quê? Porque é São Paulo que tem gente da grana, do dólar, que tem poderrr.. (PENÉLOPE CHARMOSA, 50).

Ah sim, eu nunca coloco meu nome verdadeiro, até por segurança né, e a cidade eu coloco Florianópolis, porque eles mostram mais interesse quando a cidade é maior, é capital sei lá, mas eu coloco minha idade real porque eu procurava um cara com a idade mais ou menos igual a minha... (JULIETA, 42).

Essa fala conduz ao entendimento de que o anonimato tem um efeito desinibidor para as entrevistadas, pois oferece muitas opções para elas expressarem suas necessidades e emoções. É como se as mesmas pudessem se apresentar com os mais variados trajes virtuais, com as mais diversas e interessantes identidades.
Eu nunca entro com o meu nome, nunca entrei como eu mesma. Eu digo que sou eu, só se eu confiar muuiiitoo na pessoa, e como eu tenho o meu nome fictício, as pessoas também tem uns nomes bizarros, e tendo nome bizarro esquece, porque tu sabe que aquele cara ou é casado, tem algum relacionamento fora ou ta só querendo sacanagem... (MORANGUINHO, 33).
Para Serra (2006), essa possibilidade de anonimato por meio dos fakes, [7] e a questão da identidade pessoal nas comunicações mediadas por computador foram pensadas desde o início como uma forma de oposição entre a autenticidade e a simulação “[...] entre dizer-se o que se é e ser-se o que se diz, e dizer-se o que se não é e ser-se o que se não diz.” (SERRA, 2006). Para muitas pessoas, segundo o mesmo autor, a simulação é a solução para os problemas de identidade. Ainda segundo Serra (2006), o virtual não é propriamente um espaço e um tempo de simulação, mas de maior autenticidade conforme permite ao indivíduo a revelação e libertação de todos os preconceitos e repressões, ocorrendo, assim, uma libertação das identidades.
Corroborando com a ideia de Serra (2006), as internautas podem fraudar dados pessoais como estado civil, raça, profissão, idade, tipo físico. Quanto à personalidade, pode demonstrar no espaço virtual características diferentes do seu comportamento social real. Dessa forma, nos relacionamentos a distância por intermédio das redes sociais, mesmo que possivelmente alguma das entrevistadas esteja triste, pode simular felicidade somente de aparência, e os demais usuários dessa rede não têm como verificar a realidade.
7. Considerações Finais
Procurou-se com este artigo investigar o relacionamento virtual, suas principais motivações, suas conseqüências e as novas formas de interação interpessoais que se tornaram possíveis com o surgimento da internet.
Arranjar um namorado virtual está se tornando uma situação cada vez mais comum, mulheres das mais variadas idades se rendem às facilidades do computador para encontrar sua alma gêmea no outro lado da tela.
Entretanto, da mesma forma como é fácil encontrar uma pessoa bacana que lhes proporcionem comodidade, estabilidade, segurança e uma boa situação financeira, também corre-se o risco de cair em certas armadilhas.
Entende-se que estes fatores como a curiosidade, facilidade em obter contatos e a rapidez na comunicação atraem e surpreendem as pessoas, na maior parte das vezes positivamente, aumentando a probabilidade de tornar-se dependente dessa máquina cada vez mais humana, onde encontram na internet uma forma de aliviar suas carências afetivas, um consolo, ou seja, elas expressam suas necessidades e emoções numa fuga da realidade, uma realidade de simulação, que as reporta a um mundo fantasioso, um mundo simbólico, imaterial, uma forma inusitada de estabelecer um vínculo social.
As mulheres que se inserem no “Par Perfeito, MSN e Facebook”, para buscar relacionamentos amorosos virtuais, fazem de maneira similar a um relacionamento amoroso não virtual; ou seja, inicialmente buscam “flertar”, conhecendo o companheiro de maneira mais superficial, e posteriormente, se essas pessoas despertarem algo mais, tenta-se conhecê-las no âmbito da realidade. As relações virtuais constituem uma nova forma de relacionamento que partem da descoberta de afinidades, ao contrário do enamoramento tradicional em geral que parte do olhar e do contato físico.
Dessa maneira, a comunicação a distância surgiu para facilitar os relacionamentos das pessoas, mas jamais uma forma de comunicação substituirá a outra, em razão de que ambas possuem limitações e relevâncias para os relacionamentos interpessoais


Fonte: https://psicologado.com/abordagens/psicanalise/relacionamento-virtual © Psicologado.com





   REPENSANDO A INFIDELIDADE

Esther Perel: Repensando a infidelidade...uma palestra para quem já amouhttps://pt.tiny.ted.org/.../esther_perel_rethinking_infidelity_a_talk_for_anyone_who_...A infidelidade é a derradeira traição. Mas terá mesmo que ser? A terapeuta Esther Perel, especialista em relações conjugais, examina o porquê de as pessoas


A infidelidade é a derradeira traição. Mas terá mesmo que ser? A terapeuta Esther Perel, especialista em relações conjugais, examina o porquê de as pessoas traírem, e revela porque é que um caso extraconjugal é tão traumático: por ameaçar a nossa segurança emocional. Ela encontra na infidelidade algo inesperado — uma expressão de desejo e perda. Uma comunicação obrigatória para quem já traiu ou foi traído, ou para quem simplesmente quer um novo enquadramento para compreender relações.
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Translated by Ana Antunes Simão
Reviewed by Margarida Ferreira


Porque traímos? E porque é que pessoas felizes traem? Quando dizemos "infidelidade," o que queremos realmente dizer? É uma relação sexual, uma história de amor, sexo pago, uma conversa online, uma massagem com final feliz? Porque é que achamos que os homens traem por aborrecimento e medo de intimidade, mas as mulheres traem devido à solidão e desejo de intimidade? Será uma traição sempre o fim de uma relação?

Nos últimos 10 anos, viajei pelo mundo todo, e trabalhei extensivamente com centenas de casais destruídos pela infidelidade. Há um simples acto de transgressão que consegue destruir a relação, a felicidade e a até mesmo a identidade de um casal: um caso extraconjugal. E no entanto, este acto tão comum é muito mal compreendido. Portanto, esta palestra é para qualquer pessoa que já tenha amado.
O adultério existe desde que o casamento foi inventado, bem como o tabu contra o mesmo. Aliás, a infidelidade tem uma tenacidade que o casamento só pode invejar, a tal ponto, que é o único mandamento que é repetido na Bíblia duas vezes: uma vez pelo acto, e outra apenas por pensar nele. (Risos) Portanto, como é que reconciliamos o que é universalmente proibido, e, no entanto, universalmente praticado?

Ao longo da História, os homens tiveram praticamente uma licença para trair sem grandes consequências, suportada por inúmeras teorias biológicas e evolucionistas que justificavam a sua necessidade de explorar, portanto, a duplicidade de critérios é tão velha quanto o adultério em si. Mas quem é que sabe o que realmente se passa debaixo dos lençóis? Porque é que, no que diz respeito a sexo, nos homens há uma pressão para se gabarem e exagerarem, mas as mulheres são pressionadas a esconder, minimizar e negar, o que não é surpreendente, tendo em conta que ainda há nove países onde as mulheres podem ser mortas por adultério.

A monogamia costumava ser estar com uma só pessoa toda a vida. Hoje, monogamia é estar com uma pessoa de cada vez. (Risos) (Aplausos)
Muitos aqui já devem ter dito: "Sou monógamo em todas as minhas relações." (Risos)
Nós costumávamos casar, e fazer sexo pela primeira vez. Mas agora, casamo-nos e deixamos de ter sexo com outras pessoas. O facto é que a monogamia não tinha nada a ver com amor. Os homens dependiam da fidelidade das mulheres para saber de quem eram os filhos, e quem herdaria as vacas, quando morressem.

Agora, todos querem saber qual é a percentagem de traição. Têm-me perguntado isto desde que cheguei a esta conferência. (Risos) Isto aplica-se a vocês. Mas a definição de infidelidade continua a expandir-se: sexo por SMS, ver pornografia, ser activo em aplicações de encontros. Portanto, por não haver uma definição universal consensual do que constitui uma infidelidade, a estimativa varia amplamente, de 26% a 75%. Mas para além disso, somos contradições ambulantes. Por isso, 95% de nós vão dizer que é horrível que o nosso parceiro minta em relação a ter um caso, mas quase a mesma quantidade dirá que isso seria exactamente o que fariam se tivessem um. (Risos)

Bem, eu gosto desta definição de caso extraconjugal, ela junta os três elementos-chave: uma relação secreta, que é o núcleo estrutural de um caso; uma ligação emocional em maior ou menor grau; e uma alquimia sexual. E alquimia, aqui, é a palavra-chave, porque o frisson erótico é tal que o beijo que apenas imaginam dar, pode ser tão poderoso e encantador quanto horas de relações sexuais. Como Marcel Proust disse, é a nossa imaginação que é responsável pelo amor, não a outra pessoa.
Portanto, nunca foi tão fácil trair, e nunca foi tão difícil mantê-lo em segredo. Nunca a infidelidade exerceu um efeito psicológico tão marcante. Quando o casamento era um empreendimento económico, a infidelidade ameaçava a nossa segurança económica. Mas agora que o casamento é um acordo romântico, a infidelidade ameaça a nossa segurança emocional. Ironicamente, costumávamos virar-nos para o adultério — esse era o espaço onde procurávamos amor puro. Mas agora que procuramos amor no casamento, o adultério destrói-o.

Penso que, actualmente, há três formas pelas quais a infidelidade, hoje, magoa de modo diferente. Temos um ideal romântico, no qual contamos com uma pessoa para preencher uma lista infindável de necessidades: para ser o melhor amante, o melhor amigo, o melhor pai ou mãe, o confidente fiel, o companheiro emocional, o par intelectual. E eu sou isso: sou a escolhida, sou única, sou indispensável, sou insubstituível, sou a tal. A infidelidade diz-me que não sou. É a derradeira traição. A infidelidade quebra a grande ambição do amor. Mas se ao longo da História, a infidelidade sempre foi dolorosa, hoje é, frequentemente, traumática, porque ameaça a nossa própria identidade.
O meu paciente, Fernando, vive atormentado e diz: "Pensava que conhecia a minha vida. "Pensava que sabia quem eras, quem nós éramos como casal, quem eu era. "Agora, questiono tudo." A infidelidade — uma quebra de confiança, uma crise de identidade. "Será que consigo voltar a confiar em ti?" "Será que voltarei a confiar em alguém?"

Isto é o mesmo que me diz a minha paciente Heather, quando me fala da sua história com o Nick. Casados, dois filhos. O Nick acaba de partir numa viagem de negócios, e a Heather está a jogar no iPad dele, com os filhos, quando vê uma mensagem aparecer no ecrã: "Sinto imenso a tua falta." "Estranho", pensa ela, "acabámos de nos ver". Depois outra mensagem: "Mal posso esperar para te ter nos meus braços." A Heather apercebe-se que não são para ela. Ela também me conta que o seu pai teve casos extraconjugais, mas a mãe dela encontrou um pequeno recibo no bolso, e uma mancha de batom no colarinho. A Heather começa a procurar e encontra centenas de mensagens, e fotos que foram trocadas, e desejos que foram expressos. Detalhes vívidos do caso que o Nick mantinha há dois anos revelados à sua frente, em tempo real. Isso fez-me pensar: Casos extraconjugais na era digital são como uma morte por mil golpes.

Mas depois temos outro paradoxo com o qual lidamos nos dias de hoje. Devido a este ideal romântico, confiamos na fidelidade do nosso companheiro com um fervor único. No entanto, nunca estivemos mais inclinados para trair, não por termos, agora, desejos novos, mas por vivermos numa época em que nos sentimos no direito de ir em busca dos nossos desejos, porque esta é a cultura em que eu mereço ser feliz. E se nos costumávamos divorciar porque éramos infelizes, hoje divorciamo-nos porque podíamos ser mais felizes. E se o divórcio estava embrenhado de vergonha, hoje, a nova vergonha é escolher ficar quando podemos sair. A Heather não pode falar com os amigos porque tem medo que eles a critiquem por ela ainda amar o Nick, e para onde quer que se vire, ela ouve o mesmo conselho: "Deixa-o. Larga-o de uma vez por todas". Se a situação fosse inversa, o Nick estaria na mesma posição. Ficar é a nova vergonha.

Portanto, se nos podemos divorciar, porque é que continuamos a trair? Bem, a suposição comum é que, se alguém trai, ou há algo de errado com a relação, ou há algo de errado contigo. Mas milhões de pessoas não podem ser todas elas casos patológicos. A lógica é a seguinte: Se tens tudo o que precisas em casa, então não há necessidade de procurar noutro sítio, assumindo que existe algo como um casamento perfeito para nos inocular contra estas aventuras. Mas e se a paixão tiver um prazo de validade? E se houver coisas que até uma boa relação não consegue proporcionar? Se até as pessoas felizes traem, de que é que se trata?

A maioria das pessoas com quem trabalho não são, de todo, alcovistas crónicos. São pessoas que são, normalmente, profundamente monógamas nas suas crenças, pelo menos para o seu parceiro. Mas encontram-se num conflito entre os seus valores e o seu comportamento. São, normalmente, pessoas que até foram fiéis durante décadas, mas um dia, pisam o risco que pensavam nunca vir a pisar, correndo o risco de perder tudo. Mas para vislumbrar o quê? Casos extraconjugais são um acto de traição, e uma expressão de desejo e perda. No centro de um caso extraconjugal, costumamos encontrar um desejo e anseio por uma ligação emocional, por algo novo, liberdade, autonomia, intensidade sexual, um desejo de recapturar partes perdidas de nós próprios ou uma tentativa de restabelecer a vitalidade face à perda e tragédia.

Estou a pensar noutra das minhas pacientes, a Priya, que está num casamento feliz, ama o marido, e nunca quereria magoá-lo. Mas ela também me diz que sempre fez o que era esperado dela; boa rapariga, boa mulher, boa mãe, cuida dos pais, que são imigrantes. A Priya apaixonou-se pelo jardineiro que removeu a árvore do seu jardim depois do furacão Sandy. Com o seu camião e as suas tatuagens, ele é o oposto dela. Mas aos 47 anos, este caso tem a ver com a adolescência que a Priya nunca teve. A história dela, para mim, realça que quando procuramos o olhar de outro, não é necessariamente do nosso parceiro que nos estamos a afastar, mas da pessoa na qual nos tornámos. E não é tanto estarmos à procura de outra pessoa, mas sim estarmos à procura de outra versão de nós próprios.

No mundo inteiro, há uma palavra que ouço sempre de quem tem casos extraconjugais. Elas sentem-se vivas. E elas contam-me, frequentemente, histórias de perdas recentes — a morte de um dos pais, um amigo que morreu demasiado cedo, e más notícias do médico. A morte e a mortalidade vivem, normalmente, na sombra do caso extraconjugal, porque levantam questões. É só isto? Haverá mais para além disto? Vou passar os próximos 25 anos assim? Será que vou sentir aquilo outra vez? E leva-me a pensar que, se calhar, são estas questões o que levam as pessoas a passar o risco, e que alguns casos são uma tentativa de passar a perna à mortalidade, como que um antídoto para a morte.

Contrariamente ao que possam pensar, ter um caso tem menos a ver com sexo do que com desejo: desejo de atenção, desejo de nos sentirmos especiais, desejo de nos sentirmos importantes. A própria estrutura de um caso, o facto de nunca se poder ter o amante, mantém essa necessidade. Acaba por ser uma máquina de desejo, porque a incompletude, a ambiguidade, faz-nos querer o que não podemos ter.
Alguns de vocês devem pensar que casos extraconjugais não acontecem em relações abertas, mas acontecem. Primeiro que tudo, a conversa sobre monogamia não é a mesma que a conversa sobre infidelidade. Mas a verdade é que, mesmo quando temos liberdade para ter outro parceiro sexual, parece que continuamos a ser atraídos pelo poder do que é proibido, que se fizermos o que não devíamos, acabamos por sentir que estamos a fazer o que queremos. Eu também já disse a muitos dos meus pacientes que, se pudessem trazer para as suas relações um décimo da ousadia, imaginação e entusiasmo que colocam nas suas aventuras, provavelmente não precisavam da minha ajuda. (Risos)
Então como é que nos curamos de uma traição? O desejo é profundo. A traição é profunda. Mas pode ser curada. Alguns casos extraconjugais são uma sentença de morte para relações que já estavam a morrer. Mas outros despertam novas possibilidades. A verdade é que a maioria dos casais que vivenciaram traições continuam juntos. Mas alguns irão apenas sobreviver, e outros conseguirão transformar essa crise numa oportunidade. Conseguirão transformá-la numa experiência geradora. Penso que, principalmente para o parceiro traído, que normalmente dirá: "Achas que eu não queria mais? "No entanto, não fui eu quem o fez." Mas agora que a traição está exposta, eles também podem exigir mais, e já não têm de manter o status quo que podia nem estar a funcionar assim tão bem para eles.

Reparei que muitos casais, no rescaldo de um caso extraconjugal, devido à nova desordem que pode levar a uma nova ordem, vão conseguir conversar de forma honesta e aberta como não faziam há décadas. E parceiros que estavam sexualmente indiferentes de repente sentem-se tão vorazes de luxúria, mas não sabem de onde isso vem. Algo sobre o medo da perda reacende o desejo, e abre caminho para todo um novo tipo de verdade.

Portanto, quando uma traição é exposta, quais são algumas das coisas que os casais podem fazer? Sabemos que a cura começa, depois do trauma, quando o infrator reconhece os seus erros. Então, para o parceiro que teve o caso, para o Nick, uma coisa é acabar com o caso, mas outra é o ato essencial de expressar culpa e remorsos por magoar a sua mulher. Mas a verdade é que reparei que muitas das pessoas que traem podem até sentir-se muito culpadas por magoarem os seus parceiros, no entanto, não se sentem culpadas pelo caso extraconjugal em si. Essa distinção é importante. O Nick, precisa de ser o vigilante da relação. Precisa de ser, durante uns tempos, o protector dos limites. É da sua responsabilidade falar, porque, se ele pensar no assunto, pode aliviar a Heather dessa obsessão, e assegurar que o caso não foi esquecido. Isso por si só começa a restaurar a confiança.

Mas para a Heather, ou para o parceiro traído, é essencial fazer coisas que restituam a sua autoestima, rodear-se de amor, amigos e actividades que lhe devolvam a alegria, o sentido e a identidade. Mas ainda mais importante, é controlar a curiosidade de procurar detalhes sórdidos. "Onde estiveste? Onde é que o fizeste? "Com que frequência? Ela é melhor que eu na cama?" São perguntas que apenas causam mais dor, e nos mantêm acordados à noite. Em vez disso, mudem para o que chamo "perguntas de investigação", as que exploram o significado e motivos "O que é que este caso significou para ti?" "Foste capaz de expressar ou de experienciar nele "o que já não conseguias comigo?" "O que sentias quando chegavas a casa?" "O que é que valorizas na nossa relação?" "Agrada-te que isto tenha acabado?"

Qualquer traição vai redefinir a relação, e cada casal vai determinar qual vai ser o legado dessa traição. Mas as traições chegaram para ficar, e não vão desaparecer. Os dilemas do amor e desejo, não produzem respostas simples de preto e branco, de bom e mau, de vítima e infractor. A traição numa relação aparece de muitas formas. Há muitas maneiras de trair um parceiro: com desprezo, negligência, indiferença, violência. Traição sexual é apenas uma das maneiras de magoar um parceiro. Por outras palavras, a vítima de um caso nem sempre é a vítima do casamento.

Agora, vocês já me ouviram, e sei o que devem estar a pensar: Ela tem um sotaque francês, deve ser a favor de se ter um caso. (Risos) Bem, estão errados. Não sou francesa. (Risos) (Aplausos) Nem sou a favor de se ter um caso. Mas, como acho que algo bom pode surgir de um caso extraconjugal, fazem-me, muitas vezes, esta pergunta estranha: Eu recomendá-lo-ia? Bem, eu não recomendaria ter um caso extraconjugal tal como não recomendaria ter cancro. No entanto, sabemos que pessoas que estiveram doentes muitas vezes contam como a sua doença lhes deu uma nova perspectiva. A principal pergunta que me têm feito desde que cheguei a esta conferência e disse que ia falar de infidelidade é: a favor ou contra? Eu digo: "Sim." (Risos)

Eu vejo casos extraconjugais de uma perspectiva dupla: por um lado, mágoa e traição, por outro, crescimento e autodescoberta — o que te fez a ti, e o que significou para mim. Então, quando um casal vem tem comigo no rescaldo de um caso extraconjugal que foi revelado, costumo dizer-lhes: Nos tempos que correm, no Ocidente, a maioria de nós vai ter duas ou três relações ou casamentos, e, para alguns, serão com a mesma pessoa. O vosso primeiro casamento acabou. Gostariam de criar um segundo, juntos?
Obrigada.

(Aplausos


A INFIDELIDADE PESQUISA- PENSANDO FAMÍLIAS

A infidelidade está presente em parte significativa dos relacionamentos amorosos e sempre causa algum impacto aos envolvidos. É considerada responsabilidade do traidor e o fim do relacionamento pelo seu caráter negativo e transgressor. Por isso, o objetivo desta investigação é compreender a percepção e os sentimentos que homens infiéis têm de sua relação oficial e as motivações para a traição. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com delineamento descritivo. Participaram do estudo cinco homens heterossexuais que estiveram em união estável e foram infiéis durante este relacionamento. Utilizou-se uma entrevista semiestruturada para coletar os dados que foram submetidos posteriormente ao método de análise de conteúdo. Os resultados apontam que a infidelidade envolve questões individuais, como personalidade, crenças e transgeracionalidade e, conjugais, como os padrões de interação. Ela não encerra aquilo de que é porta-voz na relação, pois sua complexidade exige uma revisão do passado e do presente conjugal.


Palavras-chave: Infidelidade, Casamento, Relações conjugais, Dinâmica de casal.



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INFIDELIDADE E TERAPIA DE CASAL

Autora: Ligia Oliveira         www.terapiacasalefamilia.blogspot.com

David Baucon (2009), terapeuta de casal e pesquisador do tema Infidelidade, reforça a necessidade de compreensão aos clientes, quando em Terapia de Casal, trazendo como demanda a traição afetiva, que o processo terapêutico poderá acontecer dentro de um período mais amplo, vez que as diversas fases do tratamento precisam ser bem exploradas e compreendidas.

Segundo Baucon a terapia voltada à compreensão da infidelidade conjugal pode ser dividida em tres momentos:

 1- Fase na qual o casal precisa absorver o impacto da descoberta. 2- Fase onde se trabalha a elaboração da vivência traumática: Nesse ciclo o casal vai em busca de sentido para a infidelidade, estabelecendo novas responsabilidades e propósitos de vida. 3-  Fase  da vivência com o casal sobre o significado de levar a vida em frente, seja pela continuidade da vida conjugal, ou a separação.        
Observamos, tanto na teoria quanto na prática clínica, que a fase da descoberta, caracteriza-se por ser de uma crise intensa, na qual estão presentes sentimentos e comportamentos que se alternam como: mágoa, raiva, culpa, surpresa, medo, desejo de vingança...
As emoções são muito fortes como também ambivalentes. Ao mesmo tempo que se sente raiva, mágoa, pode vir o medo  da separação, da destruição do vínculo afetivo.
Torna-se difícil ao terapeuta caminhar buscando menos reatividade, defesas, vez que as visões dos cônjuges estão tumultuadas pela intensa carga afetivo- emocional, pela qual essa primeira fase está passando.
 Prado no seu livro As Múltiplas Faces da Infidelidade Conjugal (2012), diz o seguinte:
" Em um primeiro  momento o terapeuta deve funcionar como um bombeiro que precisa apagar um incêndio... Tirar  de perto as pessoas que não estão ajudando e trabalhar para apagar o fogo rapidamente".

É importante que o terapeuta fique atento e administre bem as sessões, entendendo que muitas delas poderão ser mais longas e frequentes, por se tratar de um período crítico.

Assim sendo, investe para que as conversas sejam objetivas e claras como por exemplo: se os parceiro poderão ficar ou não morando juntos, trabalhar para que o terceiro participante fique fora da relação afetiva enquanto o processo terapêutico acontecer, serem acordadas regras de convivência possíveis, objetivando a recriação do clima de confiança relacional.

Outro fator essencial nessa primeira fase é a compreensão do desenvolvimento de uma escuta e de um falar respeitoso, atuando o terapeuta nesse estágio, de forma mais diretiva, fazendo intervenções para que o casal saia do padrão de falas e atitudes destrutivas, da reatividade e defensividade.

Poderá haver a necessidade de encaminhamento dos cônjuges, ou de algum deles, para especialista, quando é avaliada a necessidade de estratégia medicamentosa.

Existem casos( menos comuns) nos quais o cônjuge infiel não opta por abandonar a terceira pessoa. Pouquíssimos são os casais que aceitam essa situação. O terapeuta precisa trabalhar com o parceiro infiel no sentido de que esse resolva a situação, em um tempo mais breve possível, pois a situação do segredo será danosa e poderá comprometer a confiança do processo...

Na grande maioria do processo terapêutico, essa primeira fase da terapia é permeada por ondas de descontrole, que exigem do profissional postura acolhedora, mas também mais firme, um olhar mais atento  para aprender a administrar  atitudes de agressividade, silêncios, revolta... Após a vivência dos momentos mais conflituosos, quando da descoberta da infidelidade, e, parte das emoções mais fortes terem sido exploradas, reconhecidas e compartilhadas, as ações terapêuticas caminham para um ciclo mais focado na elaboração da situação conjugal.

Nesse período, terapeuta e casal, procuram falar sobre o contexto conjugal antes da infidelidade acontecer, explorando os múltiplos fatores e suas interrelações, como ainda reavaliando a compreensão de cada um acerca da sua contribuição em relação à infidelidade.

É essencial o desenvolvimento de um olhar mais profundo ao clima relacional, mediante a compreensão de indicadores como conversa entre os parceiros, intimidade, proximidade afetiva, projetos comuns, vida individual, companheirismo, respeito...

É necessário a abordagem terapêutica levar os parceiros a ampliarem o entendimento  do sentido da infidelidade, mediante a compreensão  de que a mesma aconteceu na relação. Assim sendo, o  olhar  conjugal deverá entender que a infidelidade não é responsabilidade apenas do parceiro participante.
Dentro dessa ótica, o  companheiro magoado poderá estudar também seus momentos e atitudes que tenham contribuído ao afastamento conjugal

Em relação ao parceiro infiel, esse deverá falar com clareza acerca da sua participação, mediante avaliação das suas experiências, valores, heranças familiares, modelos relacionais.... Esse trajeto poderá trazer à tona, sentimentos e falas nunca antes revelados tais como: abusos, sentimentos de abandono, desvalia... os quais poderão auxiliar à leitura do quadro relacional.

"Quanto ao terceiro parceiro participante, é importante que o casal tenha uma atitude firme e decidida de procedimento e estabeleça limites claros em relação a ele, para manter o parceiro afastado... Quando se mostrar muito insistente pode ser que precise de atitudes mais drásticas como buscar medidas judiciais, exigir o afastamento, mudar de bairro..."( Prado, 2012)

Trabalhados os diversos aspectos da infidelidade, a terapia deverá se encaminhar para a fase do processo de escolha e decisão dos cônjuges: Se  a decisão é separar ou continuar o vínculo conjugal.
Caso a escolha recáia sobre continuarem juntos, deverão ser conversadas e acordadas as principais mudanças que irão beneficiar o contexto e vivência da vida a dois.

Sendo a decisão  voltada à separação, é função do terapeuta ajudar aos ex-cônjuges  na  compreensão de que também podem andar por esse caminho, de uma forma mais construtiva.

       Lígia Oliveira- Terapeuta de Casal, Família e Psicanalista.

obs- Os texto sobre o tema da Infidelidade tiveram como base de leitura o livro: As Múltiplas Faces da Infidelidade Conjugal, Luiz Carlos Prado,pág,69 a 96,Porto Alegre, 2012




A INFIDELIDADE SOB O OLHAR CIENTÍFICO


Autora: Tânia Nogueira

Talvez o desejo de todos parceiros seria o de garantir que o cônjuge nunca vai traí-lo. Entretanto, a infidelidade é muito comum, mas cada um de nós (homens e mulheres) acredita que com ele (ela) isto não vai acontecer.

De modo geral, se pode dizer que infidelidade é a ruptura no “pacto de confiança mútua” e como tal, gera perplexidade e vem acompanhada de mágoas e ressentimentos. Em nossa cultura, a fidelidade é valorizada e a infidelidade é vista como falta de respeito e deslealdade no relacionamento. Entretanto, pode se fazer a seguinte pergunta: como evitar sentir interesse por outras pessoas fora do ciclo afetivo e sexual, que envolve o (a) parceiro (a)?


Infidelidade é um tema recorrente em vários blogs, revistas e pesquisas não científicas, entretanto um levantamento bibliográfico, revela que são poucas as pesquisas acadêmicas, dissertações e/ou teses sobre este tema e suas implicações. Algumas destas pesquisas serão apresentadas com o objetivo de estimular discussões sobre este tema tão polêmico.

Abreu (2006) fala em infidelidades. Essa autora realizou uma pesquisa sobre as representações femininas e masculinas sobre a infidelidade.  O seu objetivo foi compreender como homens e mulheres percebem a infidelidade tanto afetiva quanto sexual.

A autora parte do pressuposto que pode haver ou não um desmoronamento da relação, pois, em alguns casos, a infidelidade aparece como um jogo estratégico para romper com a monotonia. Ela entrevistou e fez a análise do discurso de oito mulheres e cinco homens e percebeu que a maior parte dos casos de infidelidade não significava inabilidade em manter uma relação, mas a busca de novas emoções. Segundo Abreu, quando não descoberta a infidelidade, entretanto, pode ser útil na manutenção do relacionamento.

Scabello (2006) pesquisou junto a cinco mulheres traídas, sendo que uma delas se separou e reconciliou depois com o parceiro. Foram entrevistados quatro homens, os quais todos se separaram após a descoberta da traição. O estudo mostrou duas situações: a reconstrução ou a dissolução em busca de relações prazerosas e o dilaceramento do eu quando se mantem uma relação em que não há uma ressignificação da imagem de si mesma e da pessoa amada. O objetivo foi conhecer o significado que homens e mulheres dão à vivencia de infidelidade e como ressignificam a relação amorosa após os parceiros serem infiéis.

Scabello (2006) percebeu que as mulheres vivem um misto de dor e culpa, ficam presas ao ressentimento e desinveste lentamente da figura do amado, podendo ocorrer manifestações psicossomáticas, sentimentos de menos valia, impotência, etc. Já os homens desinvestem mais facilmente na figura da parceira infiel, pois considera questão de honra abandonar a mulher que o traiu.

Santos (2008) realizou pesquisa com três homens e três mulheres para verificar a percepção que tinham sobre a infidelidade nas relações amorosas contemporâneas, investigar os motivos que levavam à traição e os papeis que homens e mulheres têm na relação amorosa. De modo geral, os dados apontaram que os homens acreditam que traem mais que as mulheres e estas dizem que as mulheres traem tanto quanto os homens.

Viegas e Moreira (2013) encontraram resultados semelhantes aos do senso comum (segundo os próprios autores) de que a infidelidade é julgada e menos tolerada, tanto quanto maior for o envolvimento e a durabilidade da relação extra conjugal.

Figueiredo (2013) realizou pesquisa com quatro mulheres tendo o objetivo de compreender a vivencia das mulheres diante da infidelidade conjugal e identificar as perdas envolvidas neste processo. A análise mostrou que se trata de uma vivência que acarreta múltiplas perdas quanto as expectativas em relação a si mesma, ao relacionamento e ao parceiro, mas pode ser importante para reflexão, amadurecimento e mudanças Já Costa e Cenci (2014) fizeram um estudo com cinco homens, heterossexuais e que tinham episódios de infidelidade em seus relacionamentos. O estudo possibilitou a compreensão de que a infidelidade é um tema complexo e multifatorial, possui especificidades próprias de algumas culturas, realidades sociais e características de personalidade dos sujeitos.  Zacharais et al (2011), também, afirmam que a concepção de infidelidade varia de cultura para cultura.

Os resultados das pesquisas e estudos citados acima não podem ser generalizados, pois são estudos de casos, entretanto, podem fornecer importantes contribuições à medida que outros estudos forem sendo realizados, possibilitando conclusões mais abrangentes. A importância desses estudos está, também, em gerar reflexão e questionamentos sobre os variados aspectos que envolvem a relação amorosa e o binômio fidelidade/infidelidade.

Por outro lado, em novembro de 2014, veiculou em diversos jornais brasileiros a notícia sobre um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Queensland, na Austrália revelando que variações genéticas podem fazer com que homens e mulheres tenham maior propensão a cometer adultério.
E, para finalizar, mostra se pertinente citar a seguinte frase que encerra a reportagem on line em Correio/ O que a Bahia quer saber: “A infidelidade tem provocado um mistério na comunidade científica, que busca explicações na biologia evolucionária”.

Referências bibliográficas
ABREU, R. de O. Infidelidades- Representações femininas e masculinas, 2006.  Dissertação (Mestrado Antropologia). Universidade Federal do Pará, Belém, Pará.  Disponível em http://www.ppgcs.ufpa.br/arquivos/dissertacoes/dissertacaoTurma2004-RachelAbreu.pdf. Acesso em 12 de abril de 2015.

COSTA, C.B.; CENCI, C. M. B. A relação Conjugal diante da infidelidade: a perspectiva do homem infiel. Pensando fam. Vol.18, no1. Porto Alegre, jun 2014. Disponível em pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext… Acesso em 12 de abril de 2015.

FIGUEIREDO, A. C. C. Os lutos da mulher diante da infidelidade conjugal, 2013. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em http://www.sapientia.pucsp.br/tde_arquivos/22/TDE-2013-12-12T09:49:54Z-14524/Publico/Ana%20Cristina%20Costa%20Figueiredo.pdf. Acesso em 12 de abril de 2015.

SANTOS, N. A. Percepções de homens e mulheres sobre a infidelidade nos relacionamentos contemporâneos, 2008. Trabalho de conclusão de curso de Psicologia. Universidade do Vale do Itajaí Disponível em http://siaibib01.univali.br/pdf/Natalia%20Alzira%20dos%20Santos.pdf. Acesso em 12 de abril de 2015

SCABELLO. E. H. Desvendando a dor amorosa da infidelidade conjugal- Os discursos de homens e mulheres (2006). Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto. São Paulo. Disponível em www.teses.USP.br/teses/disponíveis/59…/EdilaineHelenaScabello.pd 2006. Acesso em 12 de abril de 2014

VIEGAS, T.; MOREIRA, J. Julgamentos da infidelidade: Um estudo exploratório de seus determinantes. Estudos de Psicologia 18 (3), julho setembro, 2013, 411-418. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/epsic/v18n3/01.pdf. Acesso em 12 de abril de 2015.

ZACHARIAS, D> et al. Um olhar sistêmico sobre a infidelidade e suas implicações. In: IV Jornada de Pesquisa em Psicologia: desafios atuais nas práticas da Psicologia, 2011. Disponível em: http://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/jornada_psicologia/article/view/10192. Acesso em 12 de abril de 2015.


www.correio24horas.com.br/.detalhe/notícia./propensao–a–infidelida… Da Redação (redacao@correio24horas.com.br) 25/11/2014 20:35:00Atualizado em 25/11/2014 20:38:28

SUICÍDIO TEM SE TORNADO UMA DAS PRINCIPAIS CAUSAS DE ÓBITO NA POPULAÇÃO ENTRE 15 E 25 ANOS DIZ A PSICÓLOGA.

Fonte: artigo publicado na Gazeta Online, 09-03-2014

Especialista em luto e prevenção do suicídio, a psicóloga Daniela Reis e Silva garante: os casos são bem maiores do que muitos imaginam. Antes mais comum entre pessoas idosas, ela garante – mesmo sem citar números – que, no Espírito Santo, a incidência aumentou, nos últimos anos, entre jovens, na faixa etária entre 18 e 25 anos.
Atendendo a famílias que passaram por esse drama, Daniela Reis explica que uma pessoa que quer tirar a sua própria vida dá sinais, e que tanto educadores, na escola, quanto familiares, precisam estar atentos.
A psicóloga deixa claro que trata-se de “mito” o fato de que quem ameaça se suicidar não cumpre a promessa. Ela defende o fortalecimento de uma rede multidisciplinar de acompanhamento e de tratamento.
No campo prático, especificamente na Grande Vitória, defende a implantação de tela ou a grade de proteção no vão central da Terceira Ponte, para dificultar o acesso ao local, palco de quatro casos de suicídio somente neste ano. Em entrevista à Rádio CBN, com trechos aqui publicados, Daniela Reis falou sobre o assunto com a jornalista Fernanda Queiroz.

A senhora defende o uso de qualquer estratégia que possa a vir contribuir para a prevenção de suicídio, inclusive com instalação de grades na Terceira Ponte. Essa medida seria eficaz.
Uma das formas de prevenir o suicídio é justamente reduzir o acesso ao meio. As grades seriam uma barreira física, a exemplo de outros lugares que já adotaram essa medida, como, por exemplo, o Shopping de Brasília, uma faculdade no Rio de Janeiro e algumas construções. No centro de Vitória, um edifício também gradeou suas janelas, impedindo o acesso ao último andar.

E as ocorrências diminuíram?
Sim. A gente precisa atacar todas as frentes possíveis. Além do acesso aos meios, fornecer tratamento adequado para a população, porque é comprovado que grande parte das pessoas que tenta se matar, ou que está numa crise suicida, tem um transtorno psiquiátrico ou faz também uso de álcool e drogas.
Temos que pensar na saúde mental das pessoas e no acesso ao tratamento imediato quando a crise é identificada. Nesses momentos as pessoas estão suspensas do seu estado de consciência habitual, então a gente precisa eticamente proteger essas pessoas, proteger a vida dessas pessoas, até que elas possam repensar toda vida, minimizar o sofrimento, encontrar esperança para poder seguir adiante.

Esse é um tema que é muito difícil de ser tratado, do ponto de vista jornalístico, porque fala-se que quando se dá divulgação ao ocorrido estimula-se que o ato seja cometido por outras pessoas. Mas, quando o fato tem relevância social, precisa ser divulgado. As famílias têm que estar atentas? Há sinais a serem observados?

O que a gente vê, na prática, é que alguns sinais são conhecidos ao longo do tempo. Uns, visíveis, outros, não. É preciso uma preparação não só das famílias, mas dos profissionais da educação, da saúde, para um olhar criterioso em relação ao comportamento suicida, para que ele seja identificado, providenciando um tratamento adequado.

Quais são os primeiros sinais?
É difícil, porque eles não aparecem numa ordem cronológica, e nem todas as pessoas apresentam todos os sinais. Há quem consiga até esconder – em alguns casos de fato é uma surpresa. Mas, podemos citar a verbalização de muito sofrimento, de que a pessoa não está aguentando.

Alguns sinais de despedida, de se desfazer de bens, ameaças veladas, do tipo: “Se você não fizer isso eu vou me matar!”. Não como uma forma de chantagem, mas como uma expressão do sofrimento. Quadros depressivos, tristeza, isolamento, em alguns casos a própria agressividade, podem ser vistos como sinais, mas o que enfatizo é que é um sintoma de um quadro global, em que você faz a avaliação do risco de uma série de comportamentos.
Se a pessoa tem acesso aos meios, se a pessoa já planejou, se ela está só pensando na possibilidade, se já houve alguma tentativa prévia, tudo isso faz parte dessa avaliação de risco para um suicídio iminente. O problema é que muitas famílias tentam esconder, sentindo-se envergonhadas.
Ainda há preconceito de que as pessoas que enfrentam o suicídio vêm de uma família anormal, disfuncional. Mas, de perto, que família é normal? Todas enfrentam problemas, e o importante é encontrar a saída para esses problemas. As pessoas em crise suicida também apresentam uma falta de esperança, uma visão negativa da vida. São fatores, sinais que contribuem para a nossa avaliação de risco.

É preciso buscar ajuda.
Sim, buscar ajuda, e mesmo quando essa ajuda aparentemente não é encontrada – porque existe muita crítica, inclusive ao serviço público, da falta de atendimento de saúde mental adequado, locais de internação –, quando o risco de suicídio é eminente, deve-se pedir a internação da pessoa.


Tem que pressionar o poder público para providenciar o acesso mais adequado a tratamento, inclusive das famílias, que também adoecem. Ter uma pessoa em crise dentro de casa é muito difícil, porque ocorre uma modificação da estrutura da rotina familiar muito grande.

Há quem diga que quem ameaça se matar não põe em prática a ameaça.
Não é verdade. Isso é um mito criado socialmente. Às vezes, na emergência, profissionais de saúde que deveriam acolher a tentativa de uma forma adequada, chegam a verbalizar isso para a família: “Ah, ela (ou ele) não queria mesmo morrer...”.

Mas ninguém tem ideia do sofrimento dessa pessoa. Eu atendo muitas famílias após um suicídio, e uma das coisas que ficam muito claras é que a pessoa deu sinal, mas, como são sinais isolados, é difícil para a família perceber. Às vezes a pessoa comenta que tem vontade de se matar, ou está planejando se matar, fala coisas com o amigo e o amigo não fala com a mãe ou um outro parente.
Aí, só depois do ocorrido é que as peças desse quebra-cabeça acabam se juntando. Por isso, é importante divulgar, e aí eu ressalto a importância do trabalho da mídia. Tudo que é desconhecido, acaba se tornando mais perigoso.

Como buscar ajuda?
Existe o CVV (Centro de Valorização da Vida), e sei que a rede pública, a Prefeitura Municipal de Vitória, tem se organizado sobre crise suicida, com treinamento de alguns profissionais.

Casos de suicídio são mais comuns do que a gente imagina?
Infelizmente, a incidência do suicídio tem aumentado imensamente nos últimos anos. Antigamente, era maior entre pessoas mais velhas, de terceira idade, mas tem se tornado umas das principais causas de óbito na população jovem, entre 18 e 25 anos, o que assusta demais. A gente tem inclusive indícios de criança tentando o suicídio.

Há relação direta com consumo de álcool e outras drogas?
Não existe uma relação direta, porque o suicídio é um fenômeno multifatorial, envolve uma complexidade de fenômenos: mudanças com a globalização, velocidade da informação, dificuldade do jovem aprender a esperar, aumento de impulsividade de maneira geral, aumento no índice de depressão, de ansiedade, entre outros fatores, incluindo uso de álcool e outras drogas.

Na escola, professores estão preparados para lidar com o problema?
Não. Os profissionais da educação também precisam estar envolvidos para perceber quando as coisas não estão indo bem, desde a mais tenra idade, mas sem fazer alarde. É importante a gente possibilitar o cuidado adequado, seja em caso de algum tipo de ofensa sexual, de violência física, psicológica, que também são fatores de risco.

Deve-se pensar em prevenção da saúde mental como um todo. As secretarias de Saúde precisam estar envolvidas nessa questão. O governo do Estado, prefeituras, também com ações sociais. É responsabilidade de cada um de nós esse que é considerado um grave problema de saúde pública. Algumas ações no Brasil já foram tomadas, mas no Espírito Santo ainda estamos engatinhando.

Quem tenta o suicídio uma vez tende a repetir?
Pode ser que em algum momento essa pessoa mude de método, mas uma vez tentado o suicídio, essa pessoa fica no grupo de risco e pode repetir. Existem várias pesquisas de que a pessoa pode tentar um ano depois e para o resto da vida estará no grupo de risco.

Mesmo depois que passa a depressão, que passa a crise, a situação merece cuidados. Tenho pacientes que, em função de tratamentos adequados, hoje conseguem dizer que estão livres de riscos, mas o tratamento demorou 10, 15 anos, utilizando a parte da psiquiatria junto com a psicoterapia, sem falar no apoio familiar, que faz toda a diferença.

Todo esse tempo?
Nem todo mundo demora tanto tempo, e é por isso que cada caso tem que ser avaliado. Às vezes, a pessoa começa um tratamento psiquiátrico e é observada uma pequena melhora.

Justamente nessa melhora da medicação é que ela pode ter mais pragmatismo para tentar contra a própria vida novamente, porque a depressão deixa a pessoa tão frustrada que ela não consegue fazer nada. E, na pequena melhora, ela acaba tentando mais uma vez.

E na fase da infância?
Não existe comprovação de que é genético. Uma preocupação das famílias é: “Será que os filhos vão tentar também, será que isso vai acontecer de novo?”. Não existe comprovação em relação a isso, e é muito difícil a gente afirmar o que faz uma criança pensar em acabar com a própria vida.


Teria que conversar com a criança, com a família, para uma avaliação mais cuidadosa, porque é muito complicado generalizar todas essas situações. Cada caso é único, cada tentativa é única, e a gente precisa ter esse olhar criterioso na tentativa de não banalizar essa situação grave.




CASAMENTO CONTEMPORÂNEO: O DIFÍCIL CONVÍVIO DA INDIVIDUALIDADE COM A CONJUGALIDADE. TEREZINHA FÉRES CARNEIRO

Psicologia: Reflexão e Crítica Print ISSN 0102-7972


Psicol. Reflex. Crit. vol.11 n.2 Porto Alegre 1998
Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade

Terezinha Féres-Carneiro2
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Resumo 
    Na discussão sobre casamento contemporâneo várias questões são desenvolvidas. Ressaltam-se a relevância institucional do casamento e o papel que ele desempenha para os indivíduos como instrumento de construção nômica. Descreve-se como o casal contemporâneo é confrontado por duas forças paradoxais, ou seja, pelas tensões entre individualidade e conjugalidade. Aborda-se o tema da manifestação da aliança e da sexualidade no casamento e no recasamento contemporâneo. Discute-se a questão da separação conjugal e suas conseqüências para os membros do casal e da família. Descrevem-se as características da família recasada e suas possibilidades de interação funcional. Enfatiza-se a importância da relação conjugal para o desenvolvimento emocional dos filhos. E, finalmente, ressalta-se que o compromisso da terapia de casal não é com a manutenção ou a ruptura do casamento, mas com a saúde emocional dos membros do casal e da família. 

Palavras-chave: casamento, individualidade, conjugalidade, separação, terapia de casal.



Casamento: a lógica do um e um são três
    Costumo dizer que todo fascínio e toda dificuldade de ser casal, reside no fato de o casal encerrar, ao mesmo tempo, na sua dinâmica, duas individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de o casal conter dois sujeitos, dois desejos, duas inserções no mundo, duas percepções do mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas identidades individuais que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, um desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal. Como ser dois sendo um? Como ser um sendo dois? Na lógica do casamento contemporâneo, um e um são três, na expressão de Philippe Caillé (1991). Para Caillé, cada casal cria seu modelo único de ser casal, que ele chama de "absoluto do casal", que define a existência conjugal e determina seus limites. A sua definição de casal, contém portanto os dois parceiros e seu "modelo único", seu absoluto. 

    Isto a que Caillé chama de "absoluto do casal" é o que denomino de "identidade conjugal", e que na literatura sobre casamento e terapia de casal é designado, de um modo geral, como conjugalidade. 

Casamento: um ato dramático

    Berger e Kellner (1970), ao discutirem a relevância institucional do casamento, ressaltam que, desde Durkheim, é um lugar-comum da sociologia familiar que o casamento serve como proteção contra a anomia do indivíduo. Sendo um instrumento de construção nômica, o casamento tem como função social criar para o indivíduo uma determinada ordem, para que ele possa experimentar a vida com um certo sentido. Para estes autores, a realidade do mundo é sustentada através do diálogo com pessoas significativas e o casamento ocupa um lugar privilegiado entre as relações significativas validadas pelos adultos na nossa sociedade. 

    Berger e Kellner (1970) descrevem, então, o casamento como um ato dramático, no qual dois estranhos, portadores de um passado individual diferente, se encontram e se redefinem. O drama do ato é internamente antecipado e socialmente legitimado muito antes de ele acontecer na biografia dos indivíduos. A reconstrução do mundo no casamento ocorre principalmente através do discurso. Na conversação conjugal, a realidade subjetiva do mundo é sustentada pelos parceiros, que confirmam e reconfirmam a realidade objetiva internalizada por eles. O casal constrói assim, não somente a realidade presente, mas reconstrói a realidade passada, fabricando uma memória comum que integra os dois passados individuais. 

Casamento: as dimensões de aliança e de sexualidade

    Aliança e sexualidade constituem, sem dúvida, duas das mais importantes dimensões da vida conjugal. Para Levi-Strauss (1968), aliança é uma das formas de intervenção do grupo sobre bens considerados escassos e essenciais para sua sobrevivência. Assim, é sempre um sistema de troca que encontramos na origem das regras do casamento, mesmo daqueles cuja aparente singularidade poderia justificar interpretações especiais. Levi-Strauss ressalta que a proibição do incesto não é tanto uma regra que proíba casar com a mãe, a irmã ou com a filha, mas sobretudo uma regra que obriga a ceder a outros a mãe, a irmã e a filha. Isto só é feito na esperança de que em outro lugar, outra pessoa esteja realizando o mesmo "dom". Esta é a base da reciprocidade, que canaliza para a coesão, forças que poderiam estar naturalmente destinadas à competição e à desagregação. Assim, a família em Levi-Strauss é pensada como agente da lei da cultura: organizando-se a partir da interdição, garante a produção da sociedade humana. 

    A literatura sobre história da sexualidade aponta para um fenômeno muito importante e prevalente até o século XVIII no mundo ocidental, que é a diferença entre o amor no casamento e o amor fora do casamento. Flandrin (1981) ressalta que o amor esteve presente na literatura ocidental pelo menos desde o século XII, mas este amor, salvo raras exceções, não é nunca um amor conjugal. O casamento tem por função - não somente entre os reis e os príncipes, mas em todos os níveis da sociedade - ligar duas famílias, e permitir que elas se perpetuem, muito mais do que satisfazer o amor de duas pessoas. O amor-paixão é essencialmente extra-conjugal. Mas a partir do século XVIII, este quadro se modifica e as duas formas de amor, tradicionalmente opostas, são aproximadas. Um novo ideal de casamento vai-se constituindo aos poucos no Ocidente, em que se impõe aos cônjuges que se amem ou que pareçam se amar, e que tenham expectativas a respeito do amor. O erotismo extraconjugal entra no casamento e o amor-paixão é visto como modelo. Hoje ninguém duvida da dignidade do amor conjugal. A sociedade contemporânea não aceita mais que alguém possa se casar sem desejo e sem amor. 

    A relevância do casamento para os indivíduos na sociedade contemporânea é discutida historicamente por Foucault (1977) que estuda a articulação do papel da aliança e do papel da sexualidade e suas implicações institucionais. Foucault formula o conceito de "dispositivos" para explicar como a aliança e a sexualidade se articulam em aparelhos e instituições. Para ele, que estuda sobretudo a constituição do modelo burguês de casamento, a produção da sexualidade está ligada a dispositivos de poder. Num primeiro momento, a sexualidade fez parte de uma técnica de poder centrada na aliança, onde ficou estabelecido todo um sistema de casamento, de fixação e desenvolvimento de parentescos, de transmissão de nomes e bens. Coube a este dispositivo de aliança ordenar e manter a homeostase do corpo social. Ao mesmo tempo, se fixou a partir daí, o dispositivo da sexualidade, não mais referido à lei, mas ao próprio corpo, à qualidade dos prazeres, à própria sexualidade no seio familiar. Os pais tornam-se, na família, os principais agentes deste dispositivo, e o sistema de aliança passa então para a ordem da sexualidade. A função do dispositivo de sexualidade na forma de família permite, segundo Focault, compreender por que a família , além de manter a homeostase do corpo social, se tornou lugar obrigatório dos afetos, dos sentimentos, do amor, sendo também o principal ponto de eclosão da sexualidade. 

    A partir do atendimento clínico a casais de primeiro casamento e a casais de casamentos subseqüentes, observei algumas diferenças na manifestação das dimensões de aliança e de sexualidade nestes dois tipos de casamento. Com objetivo de investigar, de forma mais sistemática, a manifestação de tais dimensões, realizei um estudo (Féres-Carneiro, 1987) com dois grupos não-clínicos, de casais da classe média carioca: 10 casais de primeiro casamento e 10 casais de casamentos subseqüentes, com idades variando de 25 a 45 anos, tempo de vida conjugal de 3 a 13 anos e número de filhos variando de 1 a 4. 

    Este estudo evidencia algumas diferenças quanto à manifestação das dimensões de aliança e de sexualidade em casais de primeiro casamento e em casais recasados. Pudemos ressaltar, em relação a cada um dos aspectos investigados, as seguintes conclusões: escolha conjugal - no grupo de primeiro casamento a aliança assume um papel mais significativo do que a sexualidade, enquanto esta é mais relevante para os recasados; relacionamento com a família de origem - é freqüente, mais forte e mais valorizado no grupo de primeiro casamento; relacionamento com os diferentes grupos de amigos - o grupo de amigos comuns é mais presente e valorizado no primeiro casamento, enquanto os recasados possuem mais amigos individuais e valorizam que os membros do casal possam sair às vezes separadamente; renda familiar - as diferenças não são grandes entre os dois grupos, embora entre os recasados haja mais mulheres participando da renda familiar, algumas das quais em proporção maior que os homens; neste grupo os papéis de homem e de mulher aparecem de forma menos rígida, mesmo assim, a mulher que trabalha fora se sente mais exigida em ambos os grupos; relacionamento sexual - em ambos os grupos o relacionamento sexual é considerado muito importante para o casal, mas a sexualidade aparece de forma mais personalizada e criativa entre os recasados, para os quais são maiores as demandas e as expectativas em relação à atividade sexual. 


Casamento e individualismo: as tensões entre individualidade e conjugalidade 


    A constituição e a manutenção do casamento contemporâneo são muito influenciadas pelos valores do individualismo. Os ideais contemporâneos de relação conjugal enfatizam mais a autonomia e a satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles. Por outro lado, constituir um casal demanda a criação de uma zona comum de interação, de uma identidade conjugal. Assim, o casal contemporâneo é confrontado, o tempo todo, por duas forças paradoxais a que chamei, no título deste artigo de "o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade". Se por um lado, os ideais individualistas estimulam a autonomia dos cônjuges, enfatizando que o casal deve sustentar o crescimento e o desenvolvimento de cada um, por outro, surge a necessidade de vivenciar a conjugalidade, a realidade comum do casal, os desejos e projetos conjugais. 

    Singly (1993), ao ressaltar as características individualistas da família e do casal contemporâneos, enfatiza a importância da qualidade das relações estabelecidas entre os seus membros. A relação conjugal vai se manter enquanto for prazeroza e "útil" para os cônjuges. Valorizar os espaços individuais significa, muitas vezes, fragilizar os espaços conjugais, assim como fortalecer a conjugalidade demanda, quase sempre, ceder diante das individualidades. 

    Singly (1993) afirma que numa sociedade onde o valor de referência é derivado do "eu", a família é importante, na medida em que ajuda cada um a constituir-se como indivíduo autônomo. Essa função da família põe em evidência suas contradições internas: ao mesmo tempo em que os laços de dependência são necessários, eles são negados. No laço conjugal, assim como na família, a necessidade de interdependência e a negação desta necessidade criam tensões internas. É preciso ser "um" em sendo "dois". 

    Giddens (1992), ao discutir a transformação da intimidade nas sociedades ocidentais, ressalta que os ideais do amor romântico, rela-cionados à liberdade individual e à auto-realização, desligam os indivíduos das relações sociais e familiares mais amplas, demarcando com mais clareza a esfera do relacionamento conjugal, que passa a ser assim mais valorizada e priorizada. Enfatiza que o amor romântico, desde sua origem, suscita a questão da intimidade e supõe uma comunicação psíquica, um encontro que tem um caráter reparador. O outro preenche um vazio que o indivíduo, muitas vezes, sequer reconhece, a relação amorosa se instala, e o indivíduo fragmentado sente-se inteiro. 

    Para Giddens (1992), o amor romântico era um amor tipicamente feminino, pois cabia às mulheres suavizar a natureza rude e instável do amado, que se mantinha frio e distante até que seu coração fosse conquistado. Giddens mostra como os homens foram introduzidos, nas transformações que afetam o casamento e as relações pessoais, pelas mulheres. Na medida em que, para os homens, o apaixonar-se permaneceu vinculado à idéia de acesso à mulher, cuja virtude era protegida até o momento em que a união fosse santificada pelo casamento, o amor romântico era desvinculado da intimidade e entrava em conflito com as regras da sedução. Os homens ficaram, assim, especialistas nas técnicas de sedução e conquista e não nas questões de intimidade. 

    No casamento contemporâneo, os ideais do amor romântico tendem a se fragmentar, sobretudo pela pressão da emancipação da mulher e da autonomia feminina. As categorias de "para sempre e único" do amor romântico, não prevalecem na conjugalidade contemporânea. Giddens denomina de "amor confluente" aquele que presume uma igualdade no dar e receber afeto e se desenvolve a partir da intimidade. Ele conceitua o laço conjugal como "relacionamento puro" tendo em vista que este só se mantém se for capaz de proporcionar satisfações a ambos os parceiros. 

    Simmel (1971) vai apontar para as sérias conseqüências que o ideal contemporâneo de casamento, onde se deseja o outro por inteiro e pretende-se penetrar em sua intimidade por completo, pode trazer. Os indivíduos têm que funcionar como reservatórios inesgotáveis de conteúdos psicológicos latentes e a satisfação da entrega total pode produzir uma sensação de esvaziamento. Há um aumento das expectativas, uma extrema idealização do outro e uma superexigência consigo mesmo, provocando tensão e conflito na relação conjugal, podendo levar à separação. 

Separação conjugal: a dissolução da conjugalidade

    O número crescente de separações conjugais na sociedade contemporânea pode, à primeira vista, parecer um contra-argumento da tese desenvolvida por Berger e Kellner (1970) à qual me referi anteriormente, de que o casamento contemporâneo é para os cônjuges a principal área de auto-realização social e a base dos relacionamentos na esfera privada. Todavia, na sociedade contemporânea os indivíduos se divorciam não porque o casamento não é importante, mas porque sua importância é tão grande que os cônjuges não aceitam que ele não corresponda às suas expectativas. Assim, é justamente a dificuldade desta exigência que o divórcio reflete e, quase sempre, os divorciados buscam o recasamento. 

    Nos Estados Unidos, a literatura recente aponta que a estimativa de ocorrência de divórcio é de 50% para os que se casam pela primeira vez, e de 60% para os que se casam pela segunda vez (Gottman, 1974; Rasmussen e Ferraro, 1991). No Brasil, os últimos números divulgados pelo Anuário Estatístico Brasileiro editado pelo IBGE em 1996, cujos dados dizem respeito ao ano de 1994, indicam aproximadamente um divórcio para cada quatro casamentos. 

    Na literatura internacional, assim como na literatura nacional, os estudos sobre separação abordam sobretudo as causas e as conseqüências do divórcio. Rasmussen e Ferraro (1991) enfatizam que as pesquisas que estudam o divórcio como um fenômeno independente, e não como um dano ao casamento, ainda são raras. Estes autores argumentam que o fato de alguns problemas, como sexo extra-conjugal, excesso de bebida e dificuldades financeiras, estarem, quase sempre, presentes nos processos de divórcio, não significa que sejam as causas deste. É importante considerar que o divórcio é um fenômeno complexo, pluridimensional, que ocorre entre os casais de forma individual. 

    Jablonski (1991), em Até que a vida nos separe, livro que acaba de ser reeditado, aborda a questão do divórcio com originalidade e bom-humor. Formula o conceito de "fam-ilha", versão contemporânea da família tradicional, ou seja, uma ilha regida pela ideologia individualista, onde vigoram concomitantemente demandas paradoxais. A vida a dois é descrita por ele "quase como impossível", tendo em vista as contradições presentes no casamento contemporâneo: como conciliar monogamia e permissividade, permanência e apelo ao novo, vida familiar e realização pessoal ? 

    Em relação à separação, os dados tanto do judiciário como da clínica, no Brasil (IBGE, 1996; Féres-Carneiro, 1994,1995), como no exterior (Rasmussen e Ferraro, 1991; Gottman,1994), indicam que a grande demanda de separação é feminina. O Anuário Estatístico Brasileiro de 1996 indica que, do total de separações judiciais não consensuais encerradas em primeira instância, 71% foram requeridas pelas mulheres. Na literatura internacional, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, encontramos índices semelhantes. Podemos discutir este dado a partir de uma multiplicidade de considerações. Gostaria, entretanto, de ressaltar pelo menos uma delas. 

    Em pesquisa de dissertação de mestrado, Magalhães (1993) verificou, num grupo de 20 casais da classe média carioca, com idades variando de 25 a 55 anos, que todas as mulheres por ela entrevistadas, menos uma, definiram casamento como "relação amorosa", enquanto todos os homens do grupo, definiram casamento como "constituição de família". Estes resultados podem explicar, em parte, o fato de a demanda de separação conjugal apresentar-se como predominantemente feminina. Para as mulheres, quando a relação conjugal não vai bem, sobretudo na sua vertente amorosa - admiração, intimidade e relacionamento sexual - a separação conjugal parece inevitável, tendo em vista que, para elas o casamento é sobretudo "relação de amor". Para os homens, entretanto, que definem o casamento como "constituição de família", o fato de a relação amorosa não estar bem não é suficiente para justificar o fim do casamento. Estes dados são confirmados também em estudos realizados na clínica com casais (Féres-Carneiro, 1980, 1995). 

    Caruso (1968), em A separação dos amantes afirma que estudar a separação amorosa significa estudar a presença da morte na vida. Referindo-se ao ditado francês partir c’est mourrir un peu ("partir é morrer um pouco"), ele afirma que na separação há uma sentença de morte recíproca: o outro morre em vida dentro de mim e eu também morro na consciência do outro. Ele diferencia a dor vivenciada pelos amantes que se separam subitamente, daquela que ocorre na separação lenta que se segue ao "distanciamento mútuo". 

    Embora o divórcio possa ser, às vezes, a melhor solução para um casal cujos membros não se consideram capazes de continuar tentando ultrapassar suas dificuldades, ele é sempre vivenciado como uma situação extremamente dolorosa e estressante. A separação provoca nos cônjuges sentimentos de fracasso, impotência e perda, havendo um luto a ser elaborado. O tempo de elaboração do luto pela separação é quase sempre maior do que aquele do luto por morte. 

    São os pais que chegam à decisão de se separarem e, em geral, os filhos reagem com raiva, medo, tristeza ou culpa. Estes sentimentos podem se alternar durante semanas ou meses após a separação. O importante, no processo de divórcio, é deixar os filhos fora do conflito conjugal. Quem se separa é o par amoroso, o casal conjugal. O casal parental continuará para sempre com as funções de cuidar, de proteger e de prover as necessidades materiais e afetivas dos filhos. É muito importante que isto possa ficar claro para eles. Costumo afirmar que o pior conflito que os filhos podem vivenciar, na situação de separação dos pais, é o conflito de lealdade exclusiva quando exigida por um ou por ambos os pais. A capacidade da criança e do adolescente de lidar com a crise que a separação deflagra vai depender sobretudo da relação que se estabelece entre os pais e da capacidade destes de distinguir, com clareza, a função conjugal da função parental, podendo assim transmitir aos filhos a certeza de que as funções parentais de amor e de cuidado serão sempre mantidas. 

    Apesar da dor da perda que toda separação provoca, é importante ressaltar que os filhos, quase sempre, são mais capazes de enfrentar a separação dos pais do que estes podem imaginar. Os pais tendem, em geral, a fragilizar a capacidade dos filhos para lidar com a separação, projetando neles um mundo que não é vivido por eles. Muitas vezes, entre os colegas de colégio e os amigos, com os quais aprenderam a respeito da separação dos pais, as crianças se identificam e encontram apoio e compreensão. 

    A separação conjugal pode ter efeitos construtivos para os membros de uma família, sobretudo quando o preço para manter o casamento é a autodestruição e a destruição do outro. Quer os pais estejam casados ou separados, o mais importante para o desenvolvimento emocional dos filhos é a qualidade da relação que se estabelece entre os membros do casal e entre estes e os filhos. 

    É sempre importante enfatizar a relevância da relação conjugal para o desenvolvimento emocional dos filhos. Costumo afirmar que, na grande maioria dos casos em que crianças apresentam problemas emocionais, é suficiente tratar os pais para que haja remissão dos sintomas infantis. Em Féres-Carneiro (1980), investiguei a relação entre problemas apresentados por crianças e dificuldades existentes nas relações estabelecidas por seus pais. Esta investigação relata a experiência clínica no tratamento de oito casais, durante um período de dois anos, cujo tempo de atendimento variou de três meses a um ano e oito meses. A análise dos dados clínicos mostrou que embora, em cinco dos oito casos, os pais tenham buscado atendimento para um filho que apresentava problemas, estes eram uma conseqüência das perturbações e dos conflitos existentes na relação do casal. Em apenas dois dos oito casos, os filhos precisaram ser vistos em sessões de avaliação familiar, e em apenas um caso, um filho precisou ser posteriormente encaminhado para psicoterapia. Destes oito casos estudados, cinco casais se mantiveram casados e três se separaram. 

    A separação leva toda a família a reestruturar os padrões de relacionamento vigentes. Há um período de transição até que se atinja um novo patamar de organização. Alguns efeitos do divórcio aparecem rapidamente, outros aumentam durante o primeiro ano para depois irem desaparecendo, e outros ainda demoram até dois anos para emergir. 

    Alguns estudos mostram que o desequilíbrio do sistema familiar na situação de divórcio tende a começar um ano antes da separação e, geralmente, depois de dois anos para a maioria, e até no máximo seis anos para todas, as famílias voltam a estabelecer um funcionamento satisfatório para seus membros. 

    Mas, os divorciados, como dissemos anteriormente, em geral, caminham para o recasamento. Os homens mais rapidamente que as mulheres. 

Recasamento: a reconstrução da conjugalidade

    A tendência de considerar as famílias separadas ou as famílias recasadas como disfuncionais deve, sem dúvida, ser questionada. Muitas vezes a literatura enfatiza a dimensão disfuncional, na separação e no recasamento, e busca as patologias associadas a estas situações. É importante ressaltar que estes núcleos familiares são tão capazes de promover saúde quanto as famílias de primeiro casamento. Em Costa, Penso e Féres-Carneiro (1992) enfatizamos que a competência das famílias não depende do fato de serem casadas, separadas ou recasadas, mas da qualidade das relações estabelecidas entre seus membros. Bucher e Rodrigues (1990) discutem as características das famílias reconstituídas, enfatizando a possibilidade de interação funcional e ressaltando as questões de linguagem. 

    A família recasada tem características próprias, e é importante não tomá-la como a família nuclear recriada. Na família recasada os limites dos subsistemas familiares são mais permeáveis, a autoridade paterna e materna é dividida com outros membros da família, assim como os encargos financeiros. Há uma complexidade maior na constituição familiar: às vezes oito avós, irmãos, meio-irmãos, filhos da mulher do pai, filhos do marido da mãe. É preciso muita flexibilidade e originalidade para lidar com tudo isso. E é importante não interpretar a complexidade das relações que se estabelecem nestas famílias como disfuncionalidade. 

    Pesquisas brasileiras realizadas por diversos autores (Féres-Carneiro, 1987; Woods, 1987; Penso, 1989; Wagner, Falbe, & Meza, 1997) enfatizam a possibilidade de promover saúde das famílias recasadas, não evidenciando diferenças significativas entre famílias de primeiro casamento e famílias reconstituídas, em relação a diferentes variáveis relacionadas ao desenvolvimento emocional da criança e do adolescente e à dinâmica das relações familiares. Porque querem se separar, porque já estão se separando com um processo em andamento no judiciário, porque têm medo de se separar, porque não querem se separar de maneira nenhuma, os casais muitas vezes buscam terapia. 

Terapia de casal: ruptura ou manutenção do casamento ?

    O compromisso da terapia é com a promoção da saúde emocional dos membros do casal e não com a manutenção ou a ruptura do casamento. Em pesquisa realizada a partir do atendimento, ao longo de três anos, de 16 casais em terapia, procurei verificar as relações existentes entre a vivência da individualidade e da conjugalidade, os diferentes tipos de escolha amorosa e a ruptura ou não do casamento. (Féres-Carneiro, 1995) 

    O estudo da escolha amorosa, nesta investigação, foi norteado pelo conceito de colusão, desenvolvido por Willi (1975), e descrito como um jogo conjunto, não confessado entre os parceiros, que se estabelece em função de um conflito similar não superado. Os cônjuges se unem por supostos comuns, quase sempre inconscientes, e com a expectativa de que o parceiro o liberte de seu conflito. A colusão seria uma matriz interacional, que organiza a vida amorosa do casal. No jogo colusivo, há uma troca de estratos, de características latentes ou manifestas da personalidade dos cônjuges. Estes estratos são facetas de uma mesma temática comum, que se arranja de forma complementar. 

    Os tipos de colusão, propostos por Willi (1975), cujos temas estão relacionados à teoria psicanalítica do desenvolvimento são: colusão narcísica, oral, sádico-anal e fálico-edípica. Para Willi, estes quatro tipos de colusão são quatro princípios dinâmicos fundamentais e, como tais, não formam unidades de patologia. Todo casamento pode, portanto, ser afetado pelos quatro temas, ou seja, pelo tema do "amor como ser um mesmo" (colusão narcísica), "amor como preocupar-se um com o outro" (colusão oral), "amor como pertencer um ao outro" (colusão sádico-anal), e "amor como afirmação masculina" (colusão fálico-edípica). Mas embora os quatro temas possam afetar o casamento, o acento do conflito conjugal, quase sempre, se apresenta sob a forma de um destes tipos de colusão. 

    As análises daquele estudo não evidenciaram uma relação significativa entre a separação conjugal e a presença maior ou menor da dimensão de individualidade na interação, nem tampouco entre separação e os tipos predominantes de colusão amorosa encontrados. Dos 16 casais estudados, dez se mantiveram casados e seis se separaram. Os resultados mostraram que a manutenção ou a ruptura do casamento, ao longo do processo terapêutico, estava significativamente relacionada com o modo como as dimensões de individualidade e conjugalidade puderam se transformar, levando o casal a efetuar mudanças no jogo interacional conjunto, em busca de maiores espaços de crescimento. Foi possível observar ainda uma maior possibilidade das mulheres de realizarem mudanças e também uma maior possibilidade destas de romperem o casamento, o que ocorreu na maioria dos casos em que houve separação conjugal. 

    Os conflitos conjugais e suas conseqüências, quer para a dissolução do casal, quer para a manutenção de um equilíbrio insatisfatório, quer para a possível resolução dos problemas, são estudados por Dicks (1967) a partir de uma perspectiva psicanalítica. Para ele, há três grandes áreas em que os membros do casal se relacionam um com o outro. A primeira diz respeito às expectativas mútuas, conscientes, quanto àquilo que o relacionamento conjugal deve prover; a segunda refere-se à extensão em que tais expectativas permitem a integração do casal ao seu meio cultural; e a terceira está relacionada à ativação inconsciente de relações patogênicas passadas, internalizadas por cada cônjuge, levando à complementariedade de papéis que se estabelece entre eles. Para Dicks, os casais estabelecem uma formação de compromisso entre suas relações objetais inconscientes, que na maior parte das vezes estão em conflito com seus desejos conscientes e suas expectativas mútuas. 

    Ao discutir a organização inconsciente do casal, Eiguer (1984) fala de um mundo compartilhado onde os parceiros intercambiam objetos inconscientes, e define o vínculo como uma superposição de duas relações de objeto que têm como modelo de identificação a representação da interação do casal parental. 

    Para Lemaire (1988), o casal se constitui em torno das zonas mal definidas do "eu" de cada cônjuge. Assim, na relação amorosa, os sujeitos misturam suas fronteiras e, muitas vezes, a terapia de casal é um meio privilegiado para o tratamento de sujeitos mal individualizados. 

    Nicolló (1988), ao abordar o "jogo" recíproco que se estabelece entre os membros do casal, faz alusão aos fenômenos que Winnicott (1971) define como transicionais. O espaço interno do casal é semelhante ao espaço transicional, pois nasce do encontro entre os mundos externo e interno dos parceiros. Trata-se de um espaço misterioso, de oscilação contínua, em que cada cônjuge é uma "extensão do outro", mas ao mesmo tempo é "diferenciado do outro". 

    Uma certa fusionalidade faz parte da vida "normal" e adulta, como observa Nicolló (1988). O próprio Freud , em "O mal estar na civilização" (1930), ressalta que no auge da paixão, os limites entre o ego e o objeto ficam ameaçados de dissolução, os apaixonados regridem ao narcisismo ilimitado e vivenciam o sentimento oceânico de serem um só. A vida psíquica deve permitir a presença concomitante da capacidade de viver a fusão e da capacidade de poder se diferenciar do outro. 

    Enquanto o apaixonamento produz a ilusão da fusionalidade, Ruffiot (1981) refere-se ao desapaixonamento como uma repetição da loucura amorosa no sentido inverso, denominado por ele de "paixão do desamor" que demanda um intenso trabalho psíquico. 

    Vilhena (1991) ressalta que a separação, mais do que uma ferida no narcisismo do sujeito, afeta dolorosamente toda sua objetalidade e coloca em risco sua própria identidade. Ao referir-se à elaboração do luto de uma separação conjugal, ela enfatiza a questão da "capacidade de ficar só" dos sujeitos, distinguindo diferentes formas de solidão. A solidão pode representar uma possibilidade de ficar consigo mesmo ou uma incapacidade de tolerar a indiferença do outro, manifestando-se tanto no isolamento voluntário como na busca compulsiva de companhia. 

    Para concluir, gostaria de citar um poema de Dolores Duran encontrado, após sua morte, juntamente com um bilhete solicitando a Carlos Lyra que compusesse a música. Dolores, com seu talento e sobretudo com sua sensibilidade aguçada pela capacidade de amar e de sofrer, descreve com beleza e emoção, amores saudáveis, amores alcóolicos, amores neuróticos – sádicos, masoquistas, deprimidos – amores perversos. Todos amores. 


Amar é sofrer

Tem gente que ama que vive brigando,
E depois que briga acaba voltando.
Tem gente que canta porque está amando,
Quem não tem amor leva a vida esperando,
Uns andam para a frente e nunca se esquecem,
Mas são tão pouquinhos que nem aparecem.
Tem uns que são fracos e dão pra beber,
Outros fazem samba e adoram sofrer.
Tem apaixonado que faz serenata,
Tem amor de raça e amor vira-lata.
Amor com champagne amor com cachaça,
Amor nos iates nos bancos de praça.
Tem homem que briga pela bem amada,
Tem mulher maluca que adora pancada.
Tem quem ama tanto que até enlouquece,
Tem quem dê a vida por quem não merece.
Amores à vista, amores a prazo,
Amor ciumento que só cria caso.
Tem gente que jura sabendo que não é capaz.
Tem gente que escreve até poesia
E rima saudade com hipocrisia.
Tem assunto à beça para a gente falar,
Mas não interessa o negócio é amar.

(Dolores Duran, 1959)


Referências
Berger, P. & Kellner, H. (1970). Marriage and the construction of reality. Em P. H. Dreiazel. (Org.), Recent sociology, New York: The Mac Millow Company. 

Bucher, J. S. N. F. & Rodrigues, A. (1990). Recasamento e recomposição familiar: questões metodológicas, de linguagem e das teorias. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 6, 155-169. 

Caillé, P. (1991). Un et un font trois - Le couple révélé à lui-même. Paris: ESF. 

Caruso, I. (1989). A separação dos amantes, uma fenomenologia da morte. São Paulo: Diadorim Cortez. (Originalmente publicado em 1968). 

Costa, L. F., Penso, M. A., & Féres-Carneiro, T. (1992). Reorganizações familiares: as possibilidades de saúde a partir da separação conjugal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 8, 495-503. 

Dicks, H. V. (1967). Marital tensions. New York: Basic Books. 

Eiguer, A. (1984). La thérappie psychanalitique de couple. Paris: Dunod. 

Féres-Carneiro, T. (1980). Psicoterapia de casal: a relação conjugal e suas repercussões no comportamento dos filhos. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 32, 51-61. 

Féres-Carneiro, T. (1987). Aliança e Sexualidade no casamento e no recasamento contemporâneo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 3, 250-261. 

Féres-Carneiro, T. (1994). Diferentes abordagens em terapia de casal: uma articulação possível ? Temas em Psicologia, 2, 53-63. 

Féres-Carneiro, T. (1995). Casais em terapia: um estudo sobre a manutenção e a ruptura do casamento. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 44, 67-70. 

Flandrin, J. L. (1981). Le sexe et l’occident. Paris: Seuil. 

Foucault, M. (1977). História da sexualidade I. Rio de Janeiro: Graal. 

Freud, S. (1969), O mal-estar na civilização. Obras Completas, ESB, Rio de Janeiro, Imago. (Originalmente publicado em 1930). 

Giddens, A. (1992). A Transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas, São Paulo, UNESP. 

Gottman, J. M. (1954). Why marriages suceed or fail. New York: Simon & Schuster. 

Jablonski, B. (1998). Até que a vida nos separe - A crise do casamento contemporâneo. Rio de Janeiro: Agir. (Originalmente publicado em 1991). 

IBGE (1996). Anuário Estatístico Brasileiro. 

Lemaire, J. (1988). Du je au nous, ou du nous au je? Il n’y a pas de sujet tout constitué. Dialogue recherches cliniques et sociologiques sur le couple et la famille, 102, 4, 72-79. 

Levi-Strauss, C. (1968). Les structures élémentaires de la parenté. Paris: La Haye 

Magalhães, A. S. (1993). Individualismo e conjugalidade: um estudo sobre o casamento contemporâneo. Dissertação de Mestrado não-publicada. Curso de Pós-graduação em Psicologia Clínica, PUC-Rio. 

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Penso, M. (1989). Família recasada: suas possibilidades de reorganização a partir de um ciclo de vida específico. Dissertação de Mestrado não publicada. Curso de Pós-graduação em Psicologia, Universidade de Brasília. 

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Ruffiot, A. (1981). La thérapie familiale psychanalitique, Paris: Dunod. 

Simmel, G. (1971). On individuality and social forms. Selected Writtings. Em D. N. Levine, (Org.), Chicago: The University of Chicago Press. 

Singly, F. (1993). Sociologie de la famille contemporaine, Paris: Nathan. 

Vilhena, J. (1991). Viver juntos nos mata. Separarmo-nos é mortal. A ilusão grupal e a incapacidade de ficar só. Em J. Vilhena (Org.), Escutando a família: uma abordagem psicanalítica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 

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Willi, J. (1975). La pareja humana: relación y conflicto. Madrid: Ediciones Morata. 

Willi, J. (1995), A construção diádica da realidade. Em M. Andolfi, C. Angelo & C. Saccu,(Orgs.), O casal em crise. São Paulo: Sumus. (Originalmente publicado em 1988). 

Winnicott, D. (1971). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1958). 



* Aula Magistral proferida em 25/05/98 por ocasião da posse da autora como Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
* Endereço para correspondência: Rua Gen. Góes Monteiro, 8, Bl. D, ap. 2403. 22290-080. Rio de Janeiro, R





               BREVE HISTÓRICO SOBRE A TERAPIA FAMILIAR

                              Fonte: http://www.terapiacasalefamilia.blogspot.com

                                                                                                                         

Antes de começar os resumos das várias abordagens em Terapia Familiar avalio como importante falar acerca desse meu trabalho.

Sei que é essencial um olhar mais aprofundado acerca desse tema, a todos os profissionais que vivenciam a Terapia Familiar. Todavia, sinto, em algumas situações, a vontade de rever, conceitos, experiências, interações, trocas, avanços, relatos de casos, de forma mais breve, das diversas escolas de Terapia Familiar Sistêmica.

Desenvolver esse olhar mais integrativo e poder, sistemicamente, nos "apropriar" desses conteúdos teóricos e práticos, poderá muito nos auxiliar tanto no nosso ser pessoa, como no nosso fazer profissional.

É dentro desse olhar que desenvolvo esse trabalho.

obs: Os referidos resumos têm como base de estudo o livro (o qual recomendo para aprofundamento) Terapia Familiar, Conceitos e Métodos de Michael P.Nichols e Richard C. Schwartz,7 ed. Porto Alegre: Artmed,2007

Em cada resumo identifico o número do capítulo do referido livro.

TERAPIA FAMILIAR E DE CASAL- Breve histórico

A Terapia Familiar teve seu início na década de 1950. Muitos foram os seus colaboradores, dos quais podemos citar Gregory Bateson e Nathan Ackerman, os quais aparecem como pioneiros nos Estados Unidos.

Já nesse período, a T. F.( Terapia Familiar) tinha a compreensão da família dentro de uma abordagem na qual o grupo familiar era estudado como um grande sistema.

Mais na frente, de 1960 a 1970, mediante o desenvolvimento da T.F. a mesma assumiu várias modalidades de nomes, de acordo com as suas mais diversas escolas, dentre as quais destaco: Sistêmica, Estrutural, Estratégica, Boweniana, Experencial. Esses modelos, juntos, rejeitavam o modelo psicanalítico e se uniram em torno do modelo sistêmico.

Aos poucos, a abertura e o desenvolvimento da T.F. proporcionaram a integração de várias correntes tais como a T.F. Psicanalítica, Cognitivo Comportamental, Narrativa, Focada na Solução, como ainda modelos integrativos.

Muitos são os estudiosos da T.F. dentre os quais podemos citar: Bateson, Ackerman, Salvador Minuchin, Jay Haley, Virgínia Satir, Murray Bowen, Tom Andersen, Monica McGoldrick, Harlene Anderson...

No Brasil podemos ressaltar como grandes nomes da T.F. dentre outros: Marilene Grandesso, Maria José Esteves, Terezinha Féres, Rosa Macedo, Sandra Fedulo, Roberto Faustino( Recife), Rosana Rapizzo, Luiz Carlos Prado...

Antes da T.F. a pessoa era vista como o foco principal do problema, e, o objetivo central terapêutico recaía sobre o "portador" do problema, ou seja o"paciente identificado".

Atualmente, uma dificuldade apresentada por um "filho problemático", faz o processo terapêutico buscar também como alvo de estudo o seu contexto relacional, e suas influências recíprocas, ou seja a circularidade das influências familiares no indivíduo e da pessoa no sistema familiar .

Entendemos que o sistema familiar vivencia interações que vão repercurtir no seu desempenho, tanto no seu ambiente interno como externo. Asim sendo, como já mencionada anteriormente, vemos a compreensão da circularidade como um dos principais pilares da T.F. Estuda-se, atenciosamente, as sequências interacionais dos familiares, para um olhar mais aprofundado acerca dos fatores que estão "segurando"o padrão comportamental familiar.

Sabe-se que todo sistema faz parte de um sistema maior, por esse motivo, a necessidade de se relacionar a família, observando-se sua rede de subsistemas, mediante a leitura de contextos mais amplos, ou seja: indivíduo, grupo, comunidade, sistema de crenças, cultural, político...

A família é compreendida como um sistema aberto, e, dependendo de como "administra" suas relações, poderá "trabalhar" para diante de um desafio, problema, continuar na sua zona de conforto e não propiciar a mudança, ficando na homeostase. Pode também "trabalhar" no favorecimento da mudança buscando condições de superação e novos significados.

É importante ressaltar que a T.F. dos dias atuais, tem seus paradigmas baseados na Ciência Pós Moderna e se apóia nos seguintes conceitos:

Complexidade- Não existe só uma realidade: base no multiverso;há diferentes olhares, múltiplos significados acerca de um mesmo fato.
A T.F procura facilitar a compreensão desses saberes, investindo em uma leitura ampliada da realidade;

Imprevisibilidade -Compreender que as imprevisibilidades existem, pois muitos fatos  não estão sob o nosso controle;
Intersubjetividade- Influências recíprocas entre o observador e a realidade observada: negação da neutralidade.Ou seja, enquanto participante do processo terapêutico, o terapeuta, também, coloca nesse percurso suas vivências.

obs- Aos que quiserem aprofundar o assunto, sugiro a leitura do livro Terapia Familiar Sistêmica- Bases Cibernéticas- Maria José Esteves, 1995.

A Teoria Sistêmica nos ensina a olhar como a vida das pessoas é moldada pelas interações tanto com seus familiares como pelos contextos nos quais estão inseridos.

O contexto familiar é compreendido de forma menos objetiva, mais complexa, na qual se vai em busca dos diversos significados dos membro familiares e da família como um todo.

O terapeuta familiar deverá atuar como um facilitador, ajudando nesse processo de curar feridas e também de mobilizar talentos e recursos.

Para tal é preciso que ao trabalhar no processo terapêutico familiar, o terapeuta possa se aprofundar nos seguintes pontos significativos:

Contexto relacional;

Circularidade dos comportamentos: individual e familiar,emocional,afetivo, cognitivo...

Padrão de comportamento familiar-Abertura /fechamento à mudança;

Estrutura familiar: subsistemas, fronteiras, triângulos,alianças, coalizões, hierarquia, papéis;

Heranças familiares e suas influências : Proximidade e diferenciação, sentimento de pertencer à família através dos seus valores e aprendizados, mas também se trabalhar em busca de um sentido de autoria própria: autonomia.
Esse olhar familiar é transgeracional focando a família de origem e a família nuclear.Muitas vezes, trabalhamos com a compreensão de tres gerações.

Processos dc Comunicação;

Crenças, valores, significados;

Ciclos de vida familiar;

Função do sintoma na familia;

obs- Os ítens acima são frutos da minha prática clínica, podendo, dependendo da singularidade de cada caso, serem complementados, modificados...

O terapeuta familiar sistêmico procura desenvolver uma epistemologia voltada à atenção de como evolui na sua forma de conhecer, atuar, mediante a observação atenta dos seus valores, sua visão de mundo, e a forma através da qual faz a integração desses fatores ao contexto terapêutico.

Seu olhar é, continuadamente, voltado ao contextual, ao relacional, sem esquecer também o valor do fator individual em cada sistema familiar, refletindo o terapeuta, que ao mesmo tempo que é parte integrante do sistema, haverá momentos nos quais precisará desse sistema tomar uma cautelosa distância.
Contextualizando uma visão pós- moderna, sistêmico- si - cibernética, dentro do conceito da Terapia  familiar , 1980, ( Maria José Esteves) é importante reforçar os seguintes pontos:

 Entender que  a família é um sistema aberto e que o terapeuta não estar a serviço de reparar ou consertar a disfunção. Importante o trabalho cooperativo entre família e terapeuta voltando o olhar à família também como recurso e não só dificuldade.
A  intersubjetividade do terapeuta deverá ser compreendida e incluída no contexto do sistema: o terapeuta deverá, ao mesmo tempo que faz parte do sistema, dele tomar distância para refletir conteúdos que são seus e das famílias.

Sabendo que não existe apenas uma realidade, o terapeuta precisa estar consciente das suas ideias que tem acerca das patologias, estruturas disfuncionais, seus preconceitos, das suas demandas, para que colocando tudo isso em parênteses, possa estar aberto para visões alternativas.

Essencial que o terapeuta aja como facilitador da autonomia do cliente, vez que ele  tem a função de "arquiteto do dialogo", que incentiva condições e facilita a abertura para a criação do espaço dialógico.

O terapeuta deverá compreender que adotar o pensamento circular não significa anular o pensamento linear, que faz parte da sobrevivência de todos nós. Importante é focalizar idéias, sentimentos e ações,compreendendo como esses se entrelaçam e contribuem ao sentido de autoria das famílias, olhando também as condições de interdependência dessas situações.

Fundamental ao terapeuta pós moderno é investir, continuadamente, no exercício de aprender sobre terapia familiar, aprender como fazer terapia familiar e aprender como ser um terapeuta de família.

Termino esse breve resumo citando Maria José Esteves na sua fala sobre a atuação do terapeuta familiar:

"Trabalhando adequadamente as reações que a família provoca nele, o terapeuta familiar, terá em mãos mais um poderoso fator de mudança da família em si próprio."

Lígia Oliveira - Resumo dos livros acima citados.

Lígia Oliveira- Terapeuta de família/casal e psicanalista, Recife, 2011.

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